Infecção urinária feminina: diagnóstico e manejo
Introdução
Na atenção primária, a infecção do trato urinário em mulheres é uma das causas mais frequentes de consulta. Como reconhecer rapidamente um quadro típico? Quais exames solicitar e quando tratar empiricamente sem esperar urocultura? Este texto sintetiza diagnóstico, tratamento inicial e estratégias para prevenção de recidivas, com foco prático para profissionais de saúde.
Epidemiologia e fatores de risco
As mulheres são mais susceptíveis devido à anatomia (uretra curta e proximidade vaginal/anal). O agente mais comum é Escherichia coli, responsável pela maioria dos episódios. Fatores de risco incluem atividade sexual frequente, uso de diafragma ou espermicidas, antecedentes de ITU recorrente, alterações da microbiota vaginal e condições que prejudiquem esvaziamento vesical.
Diagnóstico na atenção primária
Quadro clínico
Sintomas clássicos: disúria, urgência miccional, polaciúria e dor suprapúbica. Na ausência de sinais sistêmicos (febre alta, dor lombar, náuseas/vômitos) e sem fatores de complicação, muitas vezes há concordância entre história clínica e infecção bacteriana aguda.
Exames complementares
- Exame de urina tipo I (EAS): pesquisa de leucocitúria e nitrito pode ajudar no diagnóstico inicial.
- Tiras reagentes (dipstick): úteis para triagem; nitrito positivo e leucócitos indicam maior probabilidade de bacteriúria, mas resultados isolados não substituem avaliação clínica.
- Urocultura: indicada quando há suspeita de ITU complicada, gravidez, falha terapêutica, recidiva ou fatores de risco para resistência. Em episódios simples não complicados, pode não ser necessária antes de iniciar tratamento empírico.
Tratamento inicial (manejo empírico)
Em mulheres com ITU aguda não complicada, recomenda-se tratamento empírico baseado em diretrizes locais e taxas de resistência. Opções comuns incluem:
- Nitrofurantoína (100 mg 2x/dia por 5 dias) — boa opção para cistite não complicada, com baixa influência sobre resistência sistêmica.
- Trimetoprim-sulfametoxazol (160/800 mg 2x/dia por 3 dias) — efetivo quando a taxa de resistência local de E. coli é <20%.
- Fosfomicina trometamol (dose única de 3 g) — alternativa prática em alguns cenários, quando sensível e disponível.
Escolha do antibiótico deve considerar alergias, gravidez, função renal, interações medicamentosas e resistência antimicrobiana local. Para sinais de pielonefrite (febre >38°C, dor lombar, mal-estar sistêmico) encaminhar e considerar terapia oral sistêmica ou hospitalização conforme gravidade.
Resistência antimicrobiana e implicações
A crescente resistência antimicrobiana torna essencial o conhecimento das taxas locais de sensibilidade. Práticas de prescrição responsável — incluindo durações adequadas e escolha de agentes com menor impacto seletivo — ajudam a preservar opções terapêuticas. Consulte protocolos locais e, quando disponível, resultados de urocultura para ajustar terapia.
Prevenção de recidivas
Medidas não farmacológicas são fundamentais para reduzir episódios recorrentes e devem ser parte da educação em saúde da paciente:
- Higiene genital adequada: orientar sobre limpeza da frente para trás e evitar práticas que aumentem contaminação fecal.
- Hidratação e estimular micção frequente para favorecer eliminação bacteriana.
- Micção após relação sexual e evitar espermicidas ou diafragma quando houver história de recidivas.
- Avaliar fatores comportamentais e anatômicos que possam exigir abordagem específica.
Para prevenção de recidivas recorrentes (por exemplo, ≥3 episódios/ano), opções incluem profilaxia antimicrobiana contínua em baixa dose, profilaxia pós-coito ou estratégias não-antibióticas (evidência mista para cranberry e probióticos). A indicação de profilaxia deve ser individualizada pesando riscos, benefícios e impacto na resistência.
Educação do paciente e cuidado contínuo
A educação em saúde é essencial: explique sinais de alarme, quando retornar, medidas preventivas e a importância de adesão a tratamento. Em atenção primária, o seguimento deve priorizar revisão de resultados de urocultura quando solicitada, ajuste de terapia e avaliação para causas subjacentes em casos recidivantes (p. ex. alterações anatômicas, distúrbios do esvaziamento vesical, DSTs).
Encaminhamento e sinais de alerta
Encaminhar para avaliação especializada ou emergência se houver sinais de complicação: febre persistente, dor lombar intensa, náuseas/vômitos, suspeita de pielonefrite ou sepse. Em gestantes qualquer bacteriúria assintomática deve ser tratada e seguida com uroculturas conforme diretrizes obstétricas.
Recursos práticos e leitura complementar
Para apoiar prática clínica, consulte guias e revisões nacionais e revisões recentes sobre diagnóstico e tratamento (por exemplo, recomendações da Sociedade Brasileira de Nefrologia e revisões clínicas). Informações adicionais sobre manejo pragmático estão disponíveis no nosso conteúdo sobre infeccoes-urinarias-mulheres-manejo-pragmatico e em materiais sobre prescrição racional de antibióticos. Para estratégias de prescrição segura e stewardship, veja também uso racional de antibióticos e recursos sobre educação terapêutica e adesão.
Fontes externas úteis: diretrizes e revisões citadas no resumo — por exemplo, orientações da Sociedade Brasileira de Nefrologia (sbn.org.br), revisão clínica sobre diagnóstico e tratamento (estudogeral.uc.pt) e discussões sobre infecção urinária de repetição (febrasgo.org.br).
Fechamento e recomendações práticas
Na atenção primária, o manejo efetivo combina reconhecimento clínico rápido, uso criterioso de exames (dipstick, EAS e urocultura quando indicado), tratamento empírico baseado em padrões locais de sensibilidade e foco em medidas preventivas personalizadas. Priorize prescrição responsável para limitar a resistência antimicrobiana, eduque pacientes sobre prevenção de recidivas e encaminhe prontamente quando houver sinais de complicação.