Infeccões urinárias em mulheres: manejo pragmático
Introdução
Quão frequente e onerosa é a infecção do trato urinário na prática clínica? Mulheres adultas têm alto risco — a maioria dos casos é causada por Escherichia coli e muitas apresentações são facilmente reconhecíveis. Saber quando tratar empiricamente, quando pedir urocultura e como manejar recorrências faz diferença para segurança do paciente e uso racional de antibióticos.
1. Epidemiologia, fatores de risco e apresentação clínica
Quem e por quê
Mulheres têm maior predisposição pela anatomia (uretra mais curta) e proximidade com microbiota perineal. Escherichia coli responde por ~70–80% dos casos. Fatores de risco relevantes: atividade sexual, uso de espermicidas, menopausa (atrofia vaginal), anormalidades anatômicas ou funcionais, cateterismo, comorbidades e episódios prévios.
Quadros clínicos típicos
- Cistite não complicada: disúria, urgência, polaquiúria, desconforto suprapúbico, sem febre nem sinais sistêmicos.
- Pielonefrite: além dos sintomas urinários, febre, calafrios, dor lombar/flanco, náuseas/vômitos — exige avaliação mais urgente e, frequentemente, terapia empírica mais ampla ou hospitalar.
- Casos atípicos ou complicados: homens, gestantes, pacientes imunossuprimidos, presença de obstrução, sinais de sepse, infecções recorrentes.
2. Diagnóstico pragmático
Avaliação clínica e exames rápidos
Na cistite típica em mulheres jovens sem fatores de risco, o diagnóstico é clínico. Testes de urina (tira reagente) ajudam: nitrito positivo sugere Gram-negativos; leucócitos e esterase indicam inflamação. Mas a urocultura continua sendo o padrão para identificação do agente e sensibilidade — essencial em infecções complicadas, recorrentes, gestação, falha terapêutica ou quando se considera terapia dirigida.
Quando pedir urocultura e imagem
- Pedir urocultura em: pielonefrite, gestação, sintomas persistentes ou recorrentes, pacientes com comorbidades (insuficiência renal, imunossupressão), homens, suspeita de infecção complicada ou falha ao tratamento empírico.
- Exames de imagem (ultrassom ou tomografia) quando há suspeita de obstrução, abscesso, refluxo vesicoureteral ou anomalias estruturais, e em infecções recorrentes que não respondem às medidas iniciais.
Fontes práticas sobre clínica e diagnóstico detalham sinais, indicações de exames e critérios para encaminhamento (ver revisões da Universidade de Coimbra e outros centros).
3. Tratamento: escolhas, duração e resistência
Princípios gerais
Escolha terapêutica guiada pelo quadro (cistite vs pielonefrite; não complicada vs complicada), alergias, gravidez e padrão local de sensibilidade. Sempre considerar uso racional de antibióticos e políticas de stewardship — optar por agentes com espectro restrito quando possível.
Opções para cistite não complicada
- Nitrofurantoína 100 mg duas vezes ao dia por 5 dias — boa atividade contra E. coli não resistente e opção de primeira linha em muitas diretrizes.
- Fosfomicina trometamol 3 g dose única — opção conveniente, útil em adesão reduzida ou em gestantes (ver orientações locais).
- Trimetoprim-sulfametoxazol (TMP-SMX) 160/800 mg duas vezes ao dia por 3 dias — usar se prevalência de resistência local <20% e sem contraindicações.
- Beta-lactâmicos orais (amoxicilina-clavulanato, cefpodoxima etc.) têm eficácia menor; considerar quando outras opções não forem adequadas e ajustar de acordo com urocultura.
Manejo da pielonefrite e infecções complicadas
Pielonefrite moderada a grave pode requerer avaliação para antibioticoterapia parenteral inicial (ex.: ceftriaxona, aminoglicosídeo + beta-lactâmico, ou fluoroquinolona dependendo da susceptibilidade local). Tratamento oral total/seqüencial deve considerar gravidade: regimes típicos duram 7–14 dias conforme agente e resposta clínica. Em sepse ou suspeita de obstrução, internar e investigar prontamente.
Resistência e stewardship
Monitore padrões locais de resistência; ajuste empiricamente conforme epidemiologia. Evite fluoroquinolonas de uso rotineiro para cistite simples quando alternativas eficazes existirem, para preservar esse grupo para casos mais graves. Consulte políticas locais e pesquise culturas quando possível.
4. Prevenção e manejo de episódios recorrentes
Medidas não farmacológicas
- Orientar higiene perineal adequada e evitar duchas ou produtos irritantes.
- Micção pós-coito e ingestão adequada de líquidos.
- Evitar espermicidas; considerar métodos contraceptivos alternativos.
- Em mulheres pós-menopáusicas, terapia com estrógenos vaginais pode reduzir recorrências associadas à atrofia vaginal.
- Provas sobre probióticos e cranberry são heterogêneas; podem ser considerados como complementares, mas com expectativa realista.
Profilaxia antimicrobiana e estratégias para recorrência
Para pacientes com ≥2 episódios em 6 meses ou ≥3 em 12 meses, considerar opções: profilaxia contínua com baixa dose (ex.: nitrofurantoína 50–100 mg ao deitar) ou antibioprofilaxia pós-coito. Outra alternativa é o autocuidado com esquema de “start” empírico orientado pelo clínico e revisão com urocultura. Encaminhar para urologia ou ginecologia se recorrências persistirem ou houver sinais de complicação.
Recursos e leituras recomendadas
Para revisões e diretrizes, consulte trabalhos acadêmicos e guias clínicos sobre diagnóstico e tratamento — por exemplo, sínteses da Universidade de Coimbra e análises de atenção primária. Materiais úteis incluem descrições clínicas e recomendações de manejo prático disponíveis em publicações como a Universidade de Coimbra (EstudoGeral/Coimbra), revisões práticas em atenção primária (Arquivos Catarinenses de Medicina) e resumos de saúde para pacientes e profissionais (Saúde & Bem Estar).
No contexto da atenção primária, veja também os nossos posts práticos sobre manejo inicial da infecção urinária (manejo inicial), estratégias específicas para mulheres (infecções do trato urinário em mulheres) e recomendações de uso racional de antibióticos (uso racional de antibióticos). Para protocolos voltados à atenção primária sobre manejo de ITU, consulte também o artigo local sobre manejo em APS (manejo em atenção primária).
Fechamento e orientações práticas
Na prática, diferencie rapidamente cistite de pielonefrite, solicite urocultura quando houver indicação e escolha antibiótico com base no quadro clínico, alergias e resistência local. Priorize medidas não farmacológicas e estratégias de redução de recorrência antes de profilaxias prolongadas. Em casos atípicos, recorrentes ou graves, encaminhe para avaliação especializada. Aplicando estas etapas você melhora resultados, reduz riscos e contribui para o uso responsável de antibióticos.