Manejo prático de enxaqueca e cefaleias primárias
Introdução
Como identificar e tratar corretamente um paciente com dor de cabeça no consultório de atenção primária? Cefaleias primárias — sobretudo enxaqueca, cefaleia tensional e cefaleia em salvas — são frequentes e impactam funcionalidade. Este guia prático resume critérios diagnósticos, condutas agudas e preventivas, estratégias não farmacológicas e sinais de alarme para encaminhamento.
1. Diagnóstico e triagem inicial
Quadro clínico chave
- Enxaqueca: crises recorrentes 2–72 horas, geralmente unilaterais, pulsáteis, intensidade moderada a severa; náusea/vômito, fotofobia e fonofobia; aura em ~1/3 dos casos.
- Cefaleia tensional: dor bilateral, tipo aperto/pressão, leve a moderada, sem náusea significativa; costuma piorar com estresse e postura.
- Cefaleia em salvas: dor orbitária/hemicraniana muito intensa, curta (15–180 min), autonômicos ipsilaterais (lacrimejamento, congestão nasal, ptose); padrão cíclico.
Critérios práticos (resumo)
- Para enxaqueca: pelo menos 5 crises (se sem aura) com características típicas (duração, qualidade, sintomas associados).
- Para cefaleia tensional: episódios >10 vezes, dor bilateral, não agravada por atividade física, sem sinais neurológicos.
- Para cefaleia em salvas: crises muito intensas, curta duração, sintomas autonômicos e padrão cíclico.
Sinais de alarme (encaminhar/avaliar urgentemente)
- Início súbito e intenso (“trovoada”)
- Declínio neurológico focal progressivo, convulsões, alteração de consciência
- Febre associada, história de câncer, imunossupressão
- Mudança importante no padrão em paciente >50 anos
2. Manejo agudo e prevenção — abordagem prática por tipo
Enxaqueca
Tratamento agudo escalonado: iniciar com analgésicos simples (paracetamol, AINEs como naproxeno/ibuprofeno) e antieméticos se nauseado. Triptanos (sumatriptano oral/subcutâneo, rizatriptano, eletriptano) são indicados quando analgésicos falham ou em crises moderadas a severas, sem contraindicação cardiovascular. Atenção ao risco de medication-overuse headache: limitar analgésicos/triptanos a ≤2 dias/semana.
Prevenção: considere quando crises são frequentes (>4/mes), incapacitantes ou quando terapias agudas ineficazes. Opções comuns iniciáveis em APS ou com orientação especializada:
- Betabloqueadores (propranolol, metoprolol)
- Anticonvulsivantes (topiramato, valproato — atenção em mulheres em idade fértil)
- Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina) quando dor crônica com distúrbios do sono/dor crônica
- Novas terapias: anticorpos anti-CGRP e antagonistas orais (avaliar acesso/encaminhamento)
Cefaleia tensional
Tratamento agudo com analgésicos simples; para formas crônicas, amitriptilina em baixa dose pode reduzir frequência. Intervenções não farmacológicas (fisioterapia, manejo postural, terapia cognitivo-comportamental, técnicas de relaxamento) são centrais.
Cefaleia em salvas
Emergência funcional: oxigenoterapia a 100% (12–15 L/min por 15 minutos) é primeira linha aguda; sumatriptano SC é alternativa eficaz. Profilaxia de primeira escolha: verapamil em doses escalonadas; corticosteroides podem ser usados como ponte. Encaminhe para neurologia quando necessário.
3. Estratégias não farmacológicas e prevenção de crises
Educar o paciente sobre identificação e evitação de gatilhos (sono irregular, jejum, desidratação, consumo excessivo de cafeína, estresse). Recomende:
- Diário de cefaleia para reconhecer padrões
- Higiene do sono e rotina de refeições
- Exercício regular e fisioterapia para dor tensional
- Terapias comportamentais (TCC, biofeedback) quando indicado
Evitar polifarmácia e revisar medicação crônica: pacientes idosos ou com múltiplas prescrições beneficiam-se de revisão para reduzir risco de interação e agravamento da dor — veja recursos sobre polifarmácia e prevenção de quedas.
4. Papel da atenção primária e encaminhamentos
Na Atenção Básica o clínico deve:
- Confirmar diagnóstico clínico e excluir sinais de alarme
- Iniciar tratamento agudo e, quando apropriado, profilaxia inicial ou encaminhar para avaliação neurológica
- Realizar educação, orientação sobre gatilhos e planos de ação para crises
- Gerir comorbidades (saúde mental, sono, dor crônica) — integre com triagem e manejo inicial de saúde mental (saúde mental: triagem e manejo inicial)
- Prescrição responsável: acompanhe uso de analgésicos e evite uso desnecessário de antibióticos ou tratamentos não indicados (prescrição segura de analgésicos e uso racional de antibióticos).
Referências práticas e leituras complementares
Para atualização e protocolos, a Webpalestra “O diagnóstico e tratamento da enxaqueca na Atenção Básica” da UFSC traz recomendações aplicáveis no nível primário (UFSC telessaude). Revisões clínicas e guias práticos com opções terapêuticas podem ser consultados em fontes de referência sobre tratamentos de cefaleias (cefaleias.com.br) e para definições clínicas básicas consulte sínteses como a página sobre enxaqueca (Wikipédia: enxaqueca).
Fechamento e orientações práticas
Na prática clínica geral, priorize diagnóstico clínico cuidadoso, identifique sinais de alarme, aplique tratamento agudo escalonado e inicie prevenção quando apropriado. Educação do paciente, registro em diário e atenção a polifarmácia e comorbidades aumentam a probabilidade de controle das crises. Encaminhe ao especialista frente a dúvidas diagnósticas, necessidade de terapias avançadas (ex.: anticorpos anti-CGRP) ou presença de sinais neurológicos.