O que é sequenciamento de nova geração (NGS) para diagnóstico de infecções
O sequenciamento de nova geração (NGS) ampliou a capacidade dos serviços de saúde para identificar agentes infecciosos com maior precisão, especialmente em casos complexos. Diferente de testes direcionados, o NGS permite análise abrangente do material genético presente na amostra — incluindo abordagens metagenômicas — e tem aplicação quando métodos tradicionais falham ou são insuficientes. A seguir, explico quando usar, vantagens, limitações e como interpretar resultados na prática clínica.
O que é sequenciamento de nova geração (NGS)
O sequenciamento de nova geração engloba plataformas de alto rendimento que leem grandes volumes de DNA ou RNA de amostras clínicas. Entre as abordagens mais utilizadas estão:
- Metagenômica de DNA (mDNA): identifica bactérias, vírus de DNA, fungos e parasitas a partir do material genético total da amostra.
- NGS de RNA (RNA-Seq): indicado para detecção de vírus de RNA e para identificar transcripts ativos, útil para diferenciar infecção ativa de presença residual.
- Sequenciamento direcionado (amplicon-based): exames como 16S rRNA para bactérias oferecem sensibilidade para grupos específicos, mas são menos abrangentes que a metagenômica.
- WGS (whole genome sequencing) de patógenos: leitura completa do genoma de um microrganismo isolado ou dominante na amostra; essencial para caracterização de cepas e vigilância epidemiológica.
Quando indicar o NGS para diagnóstico de infecções
O NGS é recomendado em cenários selecionados, quando testes convencionais não identificam o agente ou quando a hipótese diagnóstica é ampla. Indicações frequentes:
- Infecções graves de etiologia obscura (sepse com origem indeterminada, meningite/encefalite sem diagnóstico).
- Pacientes imunocomprometidos (transplantados, quimioterapia, neutropenia) com febre de origem desconhecida.
- Suspeita de patógenos de difícil cultivo ou agentes não rotineiramente testados.
- Caracterização epidemiológica em surtos: rastreamento de linhagens e avaliação do resistoma.
- Amostras únicas e críticas (líquor, material de biópsia, sangue em pacientes afebris com sinais inflamatórios) onde o diagnóstico abrangente é necessário.
A indicação deve ocorrer em um fluxo clínico integrado, com equipe multidisciplinar (clínico, microbiologista, bioinformata e farmacologista) para uso racional e interpretação adequada.
Vantagens do uso do NGS em diagnóstico de infecções
Principais benefícios comparados a métodos tradicionais:
- Detecção ampla e não direcionada: identifica vírus, bactérias, fungos e parasitas em uma única análise, sem hipótese prévia.
- Identificação de microrganismos de difícil cultivo, reduzindo diagnósticos incertos.
- Dados genéticos detalhados: permite identificar genes de resistência, fatores de virulência e caracterizar linhagens (útil para resistoma e vigilância).
- Arquivamento e reutilização de dados: leituras podem ser reanalisadas para novas perguntas sem nova coleta.
- Integração com diagnóstico molecular e dados clínicos promove decisões terapêuticas mais precisas.
Tipos de NGS relevantes: metagenômica, RNA-Seq e WGS
Metagenômica
A metagenômica permite mapear todo o DNA/ RNA presente na amostra e é a abordagem mais abrangente para investigação de etiologias desconhecidas. É particularmente útil em líquor, sangue e tecidos estéreis, quando a suspeita diagnóstica é ampla.
RNA-Seq
O RNA-Seq é indicado quando se busca vírus de RNA ou quando se deseja avaliar expressão gênica de microrganismos ativos, ajudando a distinguir infecção ativa de presença residual.
WGS de patógenos
O WGS fornece sequência completa de um microrganismo dominante ou isolado e é a melhor opção para estudos de transmissão, caracterização de cepas e análise detalhada do resistoma.
Interpretação clínica dos resultados de NGS
A interpretação requer correlação clínica cuidadosa. Pontos essenciais:
- Significância clínica: detecção de material genético nem sempre significa infecção ativa — pode indicar colonização, contaminação ou DNA/RNA residual.
- Abundância e limiar de detecção: cargas altas e presença de fatores de virulência aumentam a probabilidade de relevância clínica.
- Controles e qualidade: controles negativos/positivos e métricas de qualidade do pipeline de bioinformática são fundamentais para evitar interpretações equivocadas.
- Interpretação do resistoma: genes de resistência detectados orientam suspeitas, mas devem ser avaliados junto a testes fenotípicos quando possível e à farmacocinética/farmacodinâmica do antimicrobiano.
- Relatórios claros: laudos devem indicar a confiança das identificações, limitações e recomendações práticas para manejo.
Limitações e desafios práticos
- Custo e acessibilidade: NGS é mais caro que testes direcionados; custo-benefício depende do contexto clínico.
- Tempo de processamento: pode variar de dias a semanas, conforme infraestrutura e demanda.
- Qualidade da amostra: amostras com baixa carga microbiana ou alto conteúdo de DNA humano reduzem sensibilidade.
- Demanda por bioinformática: pipelines robustos e bancos de dados atualizados são essenciais; erros analíticos comprometem resultados.
- Achados incidentais: detecções não relacionadas ao quadro clínico podem gerar dúvidas clínicas e éticas.
Fluxo operacional do NGS em contextos clínicos
Etapas típicas:
- Coleta e transporte: preservação adequada do material genético.
- Preparação de bibliotecas: extração, quantificação e construção das bibliotecas.
- Sequenciamento: escolha de plataforma (Illumina, Oxford Nanopore etc.) conforme objetivo.
- Análise bioinformática: processamento, identificação de microrganismos, detecção de genes de resistência e geração de relatório.
- Interpretação clínica: integração do laudo com história, exames de imagem e marcadores inflamatórios para decisão terapêutica.
Orientação prática para profissionais de saúde
- Correlacione inevitavelmente os resultados de NGS com o quadro clínico, exame físico e exames complementares.
- Considere sensibilidade e especificidade conforme tipo de amostra e carga microbiana.
- Use resultados do resistoma como indicação inicial; confirme com testes fenotípicos quando houver impacto terapêutico relevante.
- Comunique-se claramente com o paciente sobre limitações, possíveis achados incidentais e tempo de entrega.
- Para integração em protocolos clínicos, o NGS pode complementar rotinas de manejo. Por exemplo, quando necessário, integre o resultado com protocolos de manejo prático de infecções respiratórias agudas em APS ou com diretrizes de antibioticoterapia de infecções respiratórias em adultos, sempre respeitando o contexto clínico.
Integração do NGS com outros métodos diagnósticos
O NGS complementa, mas não substitui integralmente, métodos tradicionais. Combinações úteis:
- NGS + culturas: confirma agente e permite testes fenotípicos de sensibilidade.
- NGS + PCR direcionado: PCR confirma alvos prováveis de forma rápida, enquanto NGS investiga etiologias inesperadas.
- Estratégias híbridas: metagenômica para triagem ampla e amplicon-sequencing para refinar identificação em amostras de baixa carga.
Casos clínicos ilustrativos
- Caso 1: meningite sem diagnóstico após antibioticoterapia empírica. NGS metagenômico de líquor identifica um vírus; a equipe desestima terapia antibiótica e confirma com teste específico para o vírus.
- Caso 2: paciente imunocomprometido com febre persistente. NGS detecta bactéria atípica não cultivável; laudo indica genes de resistência, orientando terapia dirigida e investigação por imagem.
- Caso 3: pneumonia grave na UTI. NGS de RNA identifica vírus respiratório sazonal, permitindo reduzir antibióticos e focar suporte antiviral e ventilatório conforme protocolos locais.
Aspectos éticos e regulatórios
- Consentimento informado: explique objetivos, possibilidade de achados incidentais e uso de dados para vigilância.
- Proteção de dados: garanta armazenamento seguro e compartilhamento controlado conforme normas locais.
- Política para achados incidentais: defina antecipadamente como comunicar descobertas não relacionadas ao quadro principal.
Considerações finais sobre sequenciamento de nova geração (NGS)
O NGS é uma ferramenta poderosa quando aplicada com indicação clínica adequada, amostra de qualidade e pipelines de bioinformática confiáveis. Sua utilidade prática depende da correlação com o quadro clínico, da avaliação do resistoma e da integração com métodos convencionais. Quando bem empregada, melhora o diagnóstico, orienta terapêuticas mais precisas e contribui para vigilância epidemiológica e medicina de precisão.
Observação: este texto é informativo e não substitui diretrizes locais, protocolos institucionais ou consulta com especialistas em microbiologia clínica. Atualize-se com as normas e recursos do seu laboratório de referência.