Supressão adrenal por corticoterapia crônica: quando suspeitar, quais exames pedir e como desmamar com segurança

Resumo: O uso prolongado de corticosteroides é frequente no tratamento de doenças autoimunes e inflamatórias. Apesar da eficácia, a corticoterapia crônica pode provocar supressão do eixo HPA e reduzir a capacidade do organismo de responder ao estresse, aumentando o risco de crise adrenal. Este texto traz orientações práticas para reconhecer a supressão adrenal, solicitar exames adequados e conduzir o desmame com segurança, em linguagem acessível para equipes de saúde e pacientes.

Supressão adrenal e eixo HPA

Os corticosteroides exógenos suprimem o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (eixo HPA) por feedback negativo, reduzindo a produção de ACTH e, com o tempo, levando à atrofia das suprarrenais. O risco de supressão depende de: tipo e potência do corticosteroide (por exemplo, dexametasona é mais potente que hidrocortisona), dose diária, duração do tratamento (>3–4 semanas aumenta o risco), frequência de administração e características individuais (idade, função hepática/renal).

Sinais clínicos que aumentam a suspeita de supressão adrenal

Os sintomas são frequentemente inespecíficos, por isso a suspeita deve surgir quando houver:

  • Fadiga marcada desproporcional ao quadro base;
  • Náuseas, vômitos, anorexia e perda de peso associadas a fraqueza;
  • Hipotensão persistente ou quedas pressóricas em contexto de infecção, cirurgia ou febre;
  • Hiponatremia inexplicada, episódios de hipoglicemia ou necessidade de aumentar a dose em situações de estresse;
  • Piora clínica após redução rápida do corticosteroide.

Pacientes em prednisona ou outros glicocorticoides por períodos prolongados devem receber informação sobre sinais de alerta e quando procurar atendimento.

Abordagem diagnóstica: quais exames pedir

A investigação combina avaliação clínica com testes laboratoriais. O teste de estimulação com ACTH (cosintropina) é o padrão-ouro para avaliar reserva adrenocortical. Procedimento usual:

  • Coletar cortisol basal matinal (7h–9h);
  • Administrar 250 μg de ACTH sintético (IM ou IV);
  • Medir cortisol aos 30 e 60 minutos. Pico >18–20 μg/dL (ou valores equivalentes em nmol/L conforme laboratório) sugere reserva preservada.

O cortisol matinal isolado pode ser inconclusivo em pacientes em uso de corticosteroides; por isso o teste dinâmico é preferível. Em cenários específicos, avaliações seriadas de cortisol ou testes alternativos podem complementar a interpretação. Sempre considere a metodologia laboratorial para interpretar resultados e, se necessário, consulte endocrinologia.

Exames complementares úteis

  • Eletrólitos (sódio), glicemia de jejum e função renal;
  • Perfil clínico para identificar sinais de insuficiência adrenal (confusão, hipotensão refratária);
  • Avaliação da medicação concomitante que afete metabolismo de glicocorticoides (p.ex. indutores/enzimáticos do citocromo P450).

Para padronizar a avaliação e as condutas, utilize protocolos locais e diretrizes. Consulte materiais práticos como protocolos clínicos e diretrizes práticas e o guia de anamnese e exame físico para apoiar decisões.

Desmame seguro: princípios e esquemas práticos

O desmame deve ser individualizado, gradual e monitorado. Objetivos: permitir recuperação da produção endógena de cortisol, evitar crise adrenal e manter controle da doença de base.

Princípios gerais

  • Não interromper abruptamente corticosteroides em usuários crônicos ou em pacientes com suspeita de supressão adrenal;
  • Adaptar o ritmo do desmame à duração e à dose prévias (intervalos de 2–4 semanas entre reduções são comuns em tratamentos prolongados);
  • Considerar a conversão para hidrocortisona em esquema de baixa dose quando necessário para avaliar recuperação do eixo HPA;
  • Orientar o paciente sobre aumento temporário da dose em situações de estresse (infecção, cirurgia, trauma) — profilaxia de estresse com esteroide conforme diretrizes.

Exemplo de redução por faixas de dose

  • Doses baixas (<10 mg/dia de prednisona equivalente): reduzir 1–2 mg a cada 1–2 semanas conforme tolerância;
  • Doses moderadas (10–40 mg/dia): reduzir 2,5–5 mg a cada 2–4 semanas ou reduzir pela metade conforme resposta;
  • Doses altas (>40 mg/dia): reduzir 5–10 mg a cada 2–4 semanas com monitoramento próximo e ajustes lentos se houver sinais de insuficiência ou recidiva da doença.

Em pacientes com comorbidades (diabetes, osteoporose, infecções recorrentes) o desmame deve ser ainda mais gradual e acompanhado por monitoramento laboratorial e clínico.

Monitoramento durante o desmame

Acompanhamento regular é essencial:

  • Avaliação clínica frequente de fadiga, tontura, náuseas, hipotensão e alterações de humor;
  • Monitorização laboratorial de eletrólitos, glicemia e função renal quando indicado;
  • Repetição do teste de ACTH quando houver dúvida sobre a recuperação da reserva adrenal antes de interromper a substituição;
  • Educação do paciente sobre sinais de crise adrenal e uso de carta de esteroide ou orientação escrita para emergências.

Protocolos práticos e guias (veja protocolos clínicos e diretrizes práticas e o guia de anamnese e exame físico) ajudam a uniformizar o cuidado e reduzir erros.

Casos ilustrativos

  • Caso A: paciente com artrite reumatoide em prednisona 15 mg/dia por 6 meses com fadiga e hipotensão leve. Teste de ACTH mostrou resposta insuficiente; desmame para 10 mg/dia por 4 semanas, com reavaliação e ajuste conforme evolução.
  • Caso B: DPOC com prednisona 40 mg/dia por 3 meses. Redução de 10 mg a cada 2–3 semanas, com monitoramento de glicemia e avaliação clínica; pausas para manutenção da dose quando surgiram sintomas de abstinência.

Aspectos práticos e integração da equipe

Planeje o desmame em conjunto com o time multidisciplinar, documente cada etapa (dose e data) e compartilhe o plano com atenção primária. Treine a equipe para reconhecer crise adrenal e tenha protocolos de emergência e contatos de endocrinologia à disposição. A reconciliação medicamentosa na alta hospitalar é crítica para evitar interrupções indevidas da corticoterapia quando não apropriado (reconciliação medicamentosa na alta hospitalar).

Supressão adrenal: recomendações práticas

Para reduzir riscos na prática clínica:

  • Identifique pacientes em risco (uso prolongado de corticosteroides, altas doses, terapia intermitente recente);
  • Use o teste de ACTH para avaliar reserva adrenocortical quando houver suspeita;
  • Desmame gradualmente com monitoramento clínico e laboratorial;
  • Oriente os pacientes sobre crise adrenal e estratégias de aumento temporário de dose em situações de estresse;
  • Consulte endocrinologia em casos de dúvida, cirurgias programadas ou respostas atípicas.

Com planejamento e comunicação, é possível manter o controle da doença de base, reduzir adversidades metabólicas e prevenir crise adrenal durante a retirada da corticoterapia crônica.

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