Triagem da doença renal crônica na atenção primária
Introdução
Como identificar pacientes com risco de progressão para Doença Renal Crônica (DRC) na rotina da Atenção Primária à Saúde (APS)? A detecção precoce por meio de perguntas estratégicas e exames simples é a medida mais eficaz para retardar a perda da função renal e reduzir complicações. Este guia prático resume critérios de risco, exames essenciais, critérios de encaminhamento e ações à disposição da equipe de APS.
1. Identificação de risco: quem rastrear na APS
Na consulta, priorize a busca ativa por fatores que aumentam a probabilidade de DRC. Pergunte e registre antecedentes e sinais que orientem exames:
- Fatores clínicos: hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade, doença cardiovascular estabelecida.
- História familiar de doença renal crônica ou doença renal poliquística.
- Comportamentais e ambientais: tabagismo, uso crônico de AINEs, exposição ocupacional nefrotóxica.
- Sinais de alerta: edema persistente, alteração no hábito urinário, perda rápida de função renal ou infecções urinárias recorrentes.
Para protocolos e organização da linha de cuidado no SUS, consulte as diretrizes nacionais e materiais de apoio disponíveis online, que orientam priorização e fluxos locais (ex.: Documento de diretrizes clínicas do SUS e linhas de cuidado).
2. Exames simples para diagnóstico e monitoramento
Exames essenciais
- Creatinina sérica com cálculo da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) estimada (CKD‑EPI preferencialmente) — base para estadiamento e acompanhamento.
- Albuminúria/proteinúria: razão albumina/creatinina (UACR) na amostra de urina em primeira manhã ou amostra pontual; tira reagente só para triagem inicial, confirmar com UACR quando alterada.
- Hemograma (para anemia), eletrólitos (potássio, fósforo, cálcio) e exame geral de urina conforme indicação clínica.
Frequência de monitorização sugerida
- Pessoas com risco (p.ex. diabetes, hipertensão): pelo menos anual avaliação de creatinina e UACR.
- Pacientes com evidência de DRC (TFG <60 ou albuminúria aumentada): monitorização mais frequente (cada 3–6 meses), conforme estágio e quadro clínico.
Para detalhes práticos sobre detecção precoce e rotinas na APS veja o material sobre insuficiência renal leve na APS: detecção, monitorização e encaminhamento.
3. Classificação por estágio e implicações clínicas
A classificação da DRC baseia‑se na TFG estimada (mL/min/1,73 m²) e na albuminúria. Use a TFG para guiar intensidade do monitoramento e intervenções:
- Estágio 1–2: TFG ≥60 com manifestação (ex.: albuminúria, alterações de imagem) — foco em controle de fatores de risco.
- Estágio 3a/3b: TFG 59–30 — intensificar controle pressórico, glicêmico e revisar medicações potencialmente nefrotóxicas.
- Estágio 4–5: TFG <30 — avaliar encaminhamento urgente para nefrologia e planejamento de terapias renais substitutivas quando indicado.
Inclua a avaliação de albuminúria na estratificação de risco — pacientes com proteinúria significativa têm maior risco de progressão e devem receber intervenção mais agressiva.
4. Critérios práticos para encaminhamento à atenção especializada
Encaminhe para nefrologia quando presentes:
- TFG < 30 mL/min/1,73 m² (estágios 4–5).
- Perda rápida da função renal: queda >5 mL/min/1,73 m² em 6 meses.
- Proteinúria persistente significativa (p.ex. UACR elevado), ou albuminúria que progride apesar de tratamento otimizado.
- Complicações associadas: anemia refratária, hiper/hipocalemia persistente, hiperfosfatemia, elevação persistente de PTH, hipertensão resistente.
- Suspeita de doença renal por alterações anatômicas ou hematúria macro/recorrente de origem não explicada.
Para um fluxo de atendimento e modelos de encaminhamento, consulte o fluxo local e materiais práticos sobre encaminhamento e manejo inicial da doença renal.
5. Intervenções na APS e comunicação com especialistas
A APS tem papel central em reduzir progressão da DRC:
- Controle rigoroso da pressão arterial (meta individualizada) e do controle glicêmico em diabéticos; revisar e otimizar terapias como IECAs/BRAs quando indicados.
- Rever e reduzir exposição a nefrotóxicos (AINEs, contrastes quando possível, polifarmácia em idosos).
- Educação do paciente sobre dieta, uso de água, adesão medicamentosa e sinais de alarme que exigem avaliação imediata.
- Registrar e transferir informações-chave no encaminhamento: TFG, UACR, última hemoglobina, eletrólitos, velocidade de queda da TFG e razões clínicas do envio.
Boas práticas de comunicação reduzem duplicação de exames e atrasos no cuidado. Veja também recomendações sobre gestão integrada da DRC na APS em materiais do blog: gestão da doença renal crônica na atenção primária.
6. Prevenção primária e secundária na rotina
Medidas eficazes e factíveis na APS:
- Rastreamento dirigido: focar em pacientes com diabetes, hipertensão, história familiar ou outras comorbidades.
- Promoção de estilo de vida: cessação tabágica, controle de peso, redução do consumo de sal e atividade física orientada.
- Uso racional de medicamentos e monitorização de efeitos adversos; educação para adesão e autocuidado.
Programas de educação terapêutica e estratégias de adesão podem ser integrados às consultas de revisão crônica — confira materiais sobre adesão e comunicação clínica para melhorar resultados.
Recursos e referências práticas
Diretrizes e documentos oficiais orientam a organização do cuidado e critérios de fluxo: por exemplo, as diretrizes clínicas do SUS e protocolos específicos de DRC. A Portaria que organiza a linha de cuidado da pessoa com DRC traz critérios formais de encaminhamento e integração entre níveis de atenção. Fontes para consulta:
- Diretrizes clínicas e materiais de implementação do SUS (documentos oficiais e publicações técnicas) — acesso às orientações nacionais sobre DRC.
- Linhas de cuidado e planejamento terapêutico para DRC, disponíveis nas plataformas de cuidado do Ministério da Saúde, com recomendações sobre monitorização na APS.
- Portaria nº 389/GM/MS, que estabelece critérios para organização da linha de cuidado da pessoa com DRC no SUS.
Leituras online úteis: o portal das linhas de cuidado do Ministério da Saúde e a publicação da Portaria nº 389/GM/MS (link institucional para texto legal). Consulte também o material informativo do governo sobre DRC para planejamento local.
Fechamento e orientações práticas
Na prática da APS, estabeleça um fluxo simples: identificar riscos em consultas de rotina, solicitar creatinina e UACR conforme risco, estratificar pelo TFG e albuminúria, otimizar intervenções cardiovasculares e farmacológicas e encaminhar conforme critérios (TFG <30, perda rápida, proteinúria significativa ou complicações). A documentação clara e a comunicação com nefrologia asseguram continuidade, evitando atrasos em cuidados que previnem evolução para insuficiência renal terminal.
Recursos adicionais e protocolos práticos podem ser consultados nos links institucionais do Ministério da Saúde e nas publicações citadas. Para orientações locais, alinhe com sua rede de referência e o serviço de nefrologia regional.
Links citados: linha de cuidado DRC – planejamento terapêutico, Portaria nº 389/GM/MS (2014) e material institucional do Ministério da Saúde sobre DRC.