Uso racional de antibióticos em infecções respiratórias

Uso racional de antibióticos em infecções respiratórias

Introdução

Quantas vezes um quadro de rinossinusite, otite média ou faringite no ambulatório termina em receita de antibiótico? Embora seja tentador prescrever, a maioria das infecções respiratórias agudas atendidas fora do hospital é de origem viral e não se beneficia de terapia antibiótica. O uso inadequado contribui para o aumento da resistência antimicrobiana, um problema global que já é associado a mais de 1,3 milhão de mortes anuais, além de maior custo e tempo de internação. Para prática clínica ambulatorial, é essencial decisões baseadas em evidências e estratégias de uso racional de antibióticos.

1. Diagnóstico diferencial: viral x bacteriano

O primeiro passo é distinguir sinais de provável etiologia bacteriana. Avalie:

  • Tempo de evolução: sintomas que persistem sem melhora por >10 dias (rinossinusite) sugerem possível infecção bacteriana.
  • Curso bifásico: piora após melhora inicial (“double-sickening”).
  • Sintomas de gravidade: febre alta sustentada (>39°C), dor intensa localizada (seios da face, ouvido), sinais sistêmicos.
  • Sinais objetivos: otorreia, perfuração timpânica, exsudato purulento amigdaliano ou adenomegalia dolorosa e discrepante para a idade.

Ferramentas clínicas validadas, como os critérios de Centor/McIsaac para faringite, ajudam a estratificar risco de Streptococcus pyogenes; testes rápidos (TR-Ag) ou cultura confirmam indicação de antibiótico.

2. Critérios práticos para prescrição em condições comuns

Rinossinusite aguda (adultos)

  • Não tratar com antibiótico na maioria dos casos iniciais. Considere antibiótico se: sintomas persistem >10 dias sem melhora, ou sintomas graves (febre alta + secreção purulenta + dor facial) ou piora clara após melhora inicial.
  • Medidas de suporte (analgesia, descongestionantes tópicos pontuais por curto prazo, hidratação) e segurança de retorno são centrais.

Otite média aguda (crianças)

  • Seguir diretrizes pediátricas: observar quando apropriado; indicar antibiótico imediato em lactentes <6 meses, em crianças com otite bilateral 6–23 meses ou em casos de dor intensa/alto febre.
  • Para os demais, analgesia e observação com reavaliação em 48–72 horas; prescrição empírica somente se piora ou sem melhora.

Faringotonsilite

  • Use critérios clínicos (Centor/McIsaac) e teste rápido para Streptococcus. Tratar com estreptococo confirmado; penicilina/amizementes do grupo “Acesso” (por ex., amoxicilina em muitos casos) é o padrão.

Ao prescrever, opte por esquemas de espectro mais restrito e duração comprovada pela evidência. Quando aplicável, utilize estratégias como prescrição retardada (receita fornecida com instrução de só usar após X dias se não houver melhora) e orientação de segurança de retorno.

3. Diretrizes, classificação AWaRe e escolha de antimicrobianos

A Organização Mundial da Saúde propõe a classificação AWaRe (Acesso, Vigilância, Reserva) para orientar seleção e políticas de antimicrobianos. A recomendação é priorizar medicamentos do grupo Acesso para infecções comuns, visando reduzir seleção de resistência. Consulte sínteses e aplicações práticas da categoria AWaRe para orientar escolhas locais (ver explicação sobre AWaRe aqui).

Em ambientes ambulatoriais, amoxicilina (ou penicilina) frequentemente é primeira linha para várias indicações; evite macrolídeos e quinolonas de forma rotineira, reservando-os a alergias documentadas ou indicações específicas.

4. Estratégias de stewardship e comunicação com o paciente

Implementar programas de uso racional de antibióticos na atenção primária envolve medidas práticas:

  • Protocolos clínicos locais e listas de escolha preferencial (ex.: priorizar grupo Acesso).
  • Testes point-of-care (TR-Ag, PCR multiplex quando indicado, proteína C-reativa) para reduzir incerteza diagnóstica e evitar prescrições desnecessárias.
  • Comunicação centrada: explique causas virais, expectativa de resolução, medidas de alívio e sinais que exigem retorno. A oferta de plano de contingência (prescrição retida) aumenta aceitação sem aumentar uso injustificado.

Recursos institucionais e campanhas públicas (por exemplo, iniciativas nacionais sobre uso racional) ajudam a reforçar a mensagem. Um exemplo de orientação em políticas nacionais está disponível no portal do governo (uso racional de antibióticos e resistência).

5. Monitoramento e indicadores

Monitore resultados locais: taxa de prescrição para infecções respiratórias agudas, percentagem de antibióticos do grupo Acesso, reconsultas por falha terapêutica e eventos adversos. Auditoria com feedback para prescritores demonstrou reduzir prescrições inapropriadas. Ferramentas simples no prontuário e checklists facilitam coleta de dados.

Recursos e leituras recomendadas

Para fundamentar prática e protocolos locais, consulte diretrizes e revisões nacionais e internacionais, incluindo recomendações pediátricas sobre infecções de vias aéreas superiores (Sociedade Brasileira de Pediatria) e revisões científicas sobre uso racional (veja uma síntese disponível em orientação pediátrica). Uma revisão sobre racionalidade de antimicrobianos também está disponível em publicações científicas relevantes (revisão acadêmica).

Conteúdos do nosso blog podem complementar protocolos e materiais educacionais: veja nossos artigos sobre uso racional de antibióticos na atenção primária, uso racional de antibióticos na prática ambulatorial e manejo inicial da infecção respiratória em adultos. Para suporte diagnóstico, considere também nosso material sobre proteína C-reativa como ferramenta ponto de atendimento.

Fechamento prático

Na prática ambulatorial, adote uma abordagem sistemática: estratifique risco clínico, utilize testes rápidos quando apropriado, prefira antibióticos do grupo Acesso quando indicado e implemente estratégias de stewardship tais como prescrição retida, protocolos e auditoria com feedback. Educar o paciente sobre a natureza viral de muitas infecções respiratórias e sobre sinais de alarme reduz pressão por prescrição e melhora segurança. Pequenas mudanças na rotina clínica têm impacto direto na redução da resistência antimicrobiana e na qualidade do cuidado.

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