Uso racional de antibióticos em infecções respiratórias
Introdução
Quantos pacientes com infecções respiratórias agudas recebem antibioticoterapia sem indicação clara? Estudos mostram que a maioria dos resfriados, faringotonsilites, rinossinusites e otites médias é de origem viral, e o uso indiscriminado de antibióticos contribui para a resistência bacteriana. Este texto foca em critérios diagnósticos e estratégias práticas para reduzir prescrições inadequadas.
Diagnóstico diferencial e critérios clínicos
Faringotonsilite: quando pensar em bactéria
Use ferramentas como o escore de Centor para estratificar risco de Streptococcus pyogenes. Pontuação elevada (ex.: febre, ausência de tosse, adenopatia cervical, exsudato tonsilar) aumenta a probabilidade de etiologia bacteriana e pode justificar teste rápido ou cultura. Quando disponível, confirme com teste diagnóstico antes de instituir antibioticoterapia.
Rinossinusite aguda: sinais de provável etiologia bacteriana
Critérios que indicam maior chance de infecção bacteriana incluem:
- Sintomas persistentes por >10 dias sem melhora;
- Sintomas graves (febre alta >39 °C, dor facial intensa, descarga purulenta) por ≥3–4 dias consecutivos no início;
- Piora clínica após melhora inicial (dupla piora).
Nestes cenários, a antibioticoterapia pode ser considerada; caso contrário, tratamento sintomático e vigilância são adequados.
Otite média aguda: critérios para tratar
Indicações mais claras para antibiótico incluem otalgia moderada a severa, febre alta e/ou timpano muito eritematoso ou com abaulamento, principalmente em lactentes e crianças pequenas. Em adultos immunocomprometidos ou com risco aumentado de complicações, tenha baixa limiar para tratar.
Manejo e estratégias de uso racional
Princípios de stewardship aplicáveis na prática
- Priorize confirmação etiológica sempre que possível (ex.: testes rápidos para faringite, ou testes dirigidos em contextos selecionados).
- Adote estratégias como watchful waiting ou prescrição sob condição (delayed prescription) quando apropriado.
- Escolha agentes de espectro estreito e duração reduzida baseada em evidências locais de sensibilidade.
Programas de uso racional têm impacto comprovado na redução da resistência; recomendações práticas e revisões sobre o tema podem servir de apoio à implementação local (orientações sobre uso racional).
Escolha do antibiótico e duração
Quando indicado, prefira regimes com menor impacto na microbiota e menor seleção de resistência (p.ex., amoxicilina para muitas rinossinusites/otites pediátricas sem risco de resistência). Ajuste para alergias e histórico local de resistência. Sempre documente o racional clínico, duração prescrita e plano de reavaliação.
Prevenção, exames e educação em saúde
Medidas preventivas
Vacinação, higiene das mãos e evitar contato com doentes reduzem a carga de infecções e a demanda por antimicrobianos. Para estratégias de vacinação em adultos, consulte recomendações locais e nacionais sobre imunizações (imunização de adultos urbanos) e orientações específicas para grupos vulneráveis (pacientes transplantados).
Utilização de testes diagnósticos
Em serviços com acesso, testes direcionados (ex.: testes rápidos para faringite ou testes moleculares) ajudam a reduzir prescrições inadequadas; a aplicação do teste multiplex PCR para infecções respiratórias é um exemplo de como diagnósticos complementares podem orientar manejo e evitar antibioticoterapia desnecessária.
Educação para pacientes e equipe
Explique que muitos episódios são virais, o papel dos antivirais quando indicados (p.ex., influenza/COVID em cenários específicos) e os riscos da antibioticoterapia desnecessária. Materiais e protocolos locais facilitam comunicação e adesão; para manejo de infecções virais em atenção primária veja recomendações sobre antivirais orais.
Evidências que sustentam a prática
Vários estudos mostram uso excessivo de antimicrobianos em infecções respiratórias comunitárias, com impacto na resistência: uma investigação relatou que 59% dos episódios foram tratados com antimicrobianos apesar da predominância viral (dados de uso na comunidade). Revisões sobre mecanismos e implicações da resistência reforçam a urgência de programas de stewardship (resistência bacteriana e manejo).
Insights práticos para a consulta
- Ao examinar paciente com quadro respiratório, classifique o risco usando critérios clínicos (Centor, critérios de rinossinusite/otite) antes de prescrever.
- Quando optar por não prescrever antibiótico, forneça orientações claras sobre sinais de alarme e prazo para reavaliação.
- Documente o racional clínico e, quando possível, utilize prescrição condicional para reduzir uso imediato.
- Implemente ou conecte-se a programas locais de uso racional de antibióticos e monitoramento de resistência.
Para aprofundar protocolos locais e integrar essas práticas na atenção primária, incorpore ferramentas diagnósticas, educação continuada da equipe e fluxos de reavaliação que privilegiem segurança clínica e preservação da eficácia antimicrobiana.