Abordagem inicial da dor abdominal inespecífica no atendimento ambulatorial
A dor abdominal inespecífica é uma queixa frequente em consultórios e unidades de atenção primária. A principal meta do atendimento inicial é reconhecer sinais de gravidade, estabelecer hipóteses diagnósticas plausíveis e orientar exames e conduta terapêutica de maneira segura e eficiente.
Dor abdominal inespecífica: avaliação inicial
Anamnese dirigida
Uma anamnese estruturada orienta a investigação. Pergunte sobre início, duração, localização, intensidade, caráter (cólica, em queimação), irradiação, fatores desencadeantes e atenuantes, relação com alimentação e evacuação, fezes com sangue ou muco, náuseas, vômitos e febre. Investigue uso de medicamentos (AINEs, antibióticos, anticoagulantes), comorbidades (doença cardíaca, diabetes, doenças autoimunes) e antecedentes cirúrgicos. Em mulheres em idade reprodutiva, sempre solicite teste de gravidez e avalie possibilidade de causas ginecológicas.
Principais hipóteses a considerar
Dependendo dos achados, inclua no raciocínio diagnóstico condições como síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional, gastrite crônica, doença diverticular e doenças inflamatórias intestinais. Para avaliação da dispepsia e infecção por Helicobacter pylori, consulte diretrizes específicas sobre diagnóstico e tratamento de infecção por Helicobacter pylori e orientações sobre gastrite crônica em adultos (gastrite crônica).
Exame físico: procurar sinais de alarme
Realize inspeção, ausculta, palpação superficial e profunda, percussão e avaliação de sinais de irritação peritoneal. Busque sinais vitais alterados (hipotensão, taquicardia), febre, desidratação, massa abdominal palpável, icterícia ou dor localizada com defesa. A presença de sinais de alarme — como perda de peso inexplicada, hemorragia digestiva, febre persistente ou suspeita de perfuração — indica investigação urgente e possível encaminhamento.
Exames complementares: quando e quais solicitar
Exames laboratoriais
Solicite hemograma, proteína C-reativa, eletrólitos, função renal e hepática, amilase/lipase quando houver dor sugestiva de pancreatite, e teste de gravidez em mulheres em idade fértil. Testes point-of-care, como CRP, podem ajudar na decisão de manter observação ambulatorial ou investigar com imagem (testes point-of-care).
Exames de imagem
A ultrassonografia abdominal é a primeira opção em muitas situações: avaliação de vias biliares, ovários, coleções líquidas e massas. A tomografia computadorizada com contraste é indicada quando há suspeita de processo inflamatório intra-abdominal mais grave (ex.: diverticulite complicada) ou quando exame físico e exames laboratoriais não esclarecem o quadro. Para casos de suspeita de doença inflamatória intestinal, a ressonância e exames endoscópicos são complementares; ver orientações práticas sobre manejo da doença inflamatória intestinal.
Diagnóstico diferencial a curto prazo
Estruture hipóteses por urgência: causas cirúrgicas agudas (apendicite, perfuração, oclusão), infecções (gastroenterite, doença inflamatória pélvica), biliares (colecistite, cólica biliar) e causas funcionais (síndrome do intestino irritável, dispepsia funcional). Consulte linhas-guia internacionais para orientar critérios diagnósticos e condutas, como as recomendações da World Gastroenterology Organization sobre sintomas gastrointestinais comuns (WGO).
Conduta terapêutica inicial
O manejo depende da hipótese provável. Para quadros não graves e compatíveis com distúrbios funcionais, oriente medidas não farmacológicas (ajustes dietéticos, hidratação, controle do estresse) e, quando indicado, terapia farmacológica sintomática com revisão em curto prazo. Em casos com suspeita de infecção ou inflamação, adote condutas específicas (antibiótico quando indicado) e analgesia adequada. Para dor aguda intensa, analgésicos escalonados são necessários; guias práticos sobre analgesia e manejo ambulatorial auxiliam na prescrição segura (NHS – abdominal pain).
Para orientação terapêutica complementar, revisões clínicas e guias nacionais podem ser úteis para decisões sobre proton-pump inhibitors, erradicação de H. pylori e antibioticoterapia quando apropriado (revisão clínica).
Encaminhamento e seguimento
Encaminhe com urgência pacientes com sinais de instabilidade hemodinâmica, peritonite, febre alta, sangramento digestivo ou suspeita de obstrução. Encaminhe de forma programada pacientes com dor recorrente sem diagnóstico claro para gastroenterologia ou ginecologia, conforme a suspeita predominante. Planeje retorno em 48–72 horas para reavaliação quando a conduta inicial for expectante.
Resumo prático: pontos de ação para profissionais
- Realize anamnese orientada e exame físico completo buscando sinais de alarme.
- Solicite exames laboratoriais básicos e imagem conforme a suspeita clínica.
- Adote analgesia e medidas de suporte; individualize tratamento para distúrbios funcionais e orgânicos.
- Encaminhe com prioridade os casos com sinais de gravidade ou quando a dor persiste sem diagnóstico após avaliação inicial.
Uma abordagem estruturada permite identificar rapidamente as condições que necessitam de intervenção urgente, reduzir exames desnecessários e orientar seguimentos adequados, com base em diretrizes e evidências clínicas atuais.