Avaliação prática da febre inespecífica no adulto
Introdução
Como diferenciar um quadro autolimitado de um sinal de doença grave quando um adulto apresenta febre inespecífica? Este artigo apresenta um algoritmo diagnóstico aplicável na prática e recomendações de conduta inicial para orientar triagem, exames e decisões terapêuticas de forma prática e baseada em evidências.
1. Primeira etapa: anamnese e exame físico (triagem dirigida)
Uma anamnese sistemática e exame físico detalhado são fundamentais para todo algoritmo diagnóstico. Perguntas e sinais que alteram a probabilidade diagnóstica:
- História recente de viagem, exposições ocupacionais ou zoonóticas, uso de medicamentos, vacinação, contatos com casos respiratórios ou diarreia.
- Sintomas acompanhantes: tosse, dispneia, dor abdominal, disúria, cefaleia, rigidez de nuca, erupções cutâneas, linfadenopatia.
- Fatores de risco para infeções graves: imunossupressão, diabetes descompensado, idade avançada, dispositivos invasivos ou próteses.
- Sinais de alarme no exame físico: hipotensão, taquicardia persistente, dificuldade respiratória, alterações neurológicas, eritema cutâneo sugestivo de infecção sistêmica.
Para técnicas e roteiro estruturado de anamnese e exame, consulte o nosso guia prático de anamnese e exame físico.
2. Algoritmo diagnóstico inicial
Aplicável na atenção primária, pronto-socorro e internação precoce. Objetivo: identificar foco óbvio e sinais de gravidade, orientar exames básicos e necessidade de internação.
2.1 Avaliação imediata (na chegada)
- Avaliar sinais vitais e estado hemodinâmico; se instabilidade, seguir protocolos de suporte e investigar sepse.
- Classificar risco: sinais de gravidade (ver acima) → considerar internação e investigação ampliada.
2.2 Exames laboratoriais iniciais
Pedidos básicos que devem ser considerados em todo paciente adulto com febre inespecífica:
- Hemograma completo — leucocitose, pancitopenia ou neutropenia orientam etiologia e risco.
- PCR e VHS — marcadores inflamatórios úteis para monitorização e para diferenciar causas inflamatórias/infecciosas.
- Função renal e hepática (creatinina, ureia, TGO/TGP, bilirrubinas).
- Exames de função tireoidiana quando sinais clínicos sugerirem tireoidite.
- Hemoculturas quando houver suspeita de bacteremia (2 pares antes de antibiótico, se possível).
2.3 Exames de imagem e complementares
- Radiografia de tórax é indicada rotineiramente para excluir foco pulmonar.
- Ultrassonografia abdominal quando dor abdominal, sinais hepatoesplenomegalia ou suspeita de abscesso; veja nosso guia de ultrassonografia à beira-leito.
- TC ou RM conforme achados locais ou para investigar sítios profundos (p.ex. coleções, abscessos, osteomielite).
3. Conduta inicial prática
Medidas que aliviam sintomas e reduzem riscos sem atrapalhar o diagnóstico:
- Tratamento sintomático: antipiréticos para conforto (paracetamol preferencialmente); evite mascarar sinais em situações de alto risco sem documentar temperatura antes.
- Hidratação e suporte hemodinâmico conforme necessidade — especialmente se sinais de desidratação ou sepse.
- Precauções de isolamento quando houver suspeita de agentes transmissíveis respiratórios ou de alto risco epidemiológico.
3.1 Quando iniciar antibioticoterapia empírica
A antibioticoterapia empírica deve ser criteriosa:
- Indicar quando há suspeita de infecção bacteriana grave, choque séptico, sinais focais com forte probabilidade bacteriana, ou em pacientes imunossuprimidos.
- Não iniciar antibiótico empírico rotineiramente apenas por febre sem foco e sem critérios de gravidade — uso racional é essencial; nosso conteúdo sobre prescrição racional de antibióticos aborda princípios aplicáveis.
- Coletar culturas antes de iniciar antibióticos sempre que possível.
4. Monitoramento, reavaliação e investigação avançada
Caso a febre persista sem diagnóstico após avaliação inicial:
- Reavaliar história e exame físico a cada 24–48 horas; revisar medicações e exposições.
- Considerar internação para monitorização se houver risco de deterioração, necessidade de exames de imagem avançados ou biópsias.
- Investigações avançadas: culturas especiais, sorologias, PCRs moleculares, PET‑CT ou biópsias dirigidas conforme suspeita clínica.
Diretrizes específicas para avaliação de febre em pacientes críticos podem orientar escolhas quando o paciente estiver em UTI: por exemplo, recomendações publicadas em 2023 detalham investigação em unidades de terapia intensiva (veja análise prática em portal especializado).
Referência prática: procedimentos e diretrizes para febre em UTI estão disponíveis em um resumo técnico atualizado em portal institucional (portal.wemeds).
5. Síndromes febris periódicas: quando suspeitar
Algumas doenças inflamatórias e genéticas manifestam-se com febre inespecífica recorrente. Indicadores para investigação:
- Padrão cíclico de febre, artralgias recorrentes, erupções cutâneas, envolvimento sistêmico sem infecção identificada.
- Suspensão de diagnóstico infeccioso e resposta parcial a anti-inflamatórios ou imunomoduladores.
Entre elas, criopirinopatias (CAPS) e febre familiar do Mediterrâneo (FMF) merecem atenção; diretrizes de conduta e tratamento descrevem critérios diagnósticos e terapia específica e foram resumidas em revisões publicadas na literatura (SciELO).
6. Checklist prático do atendimento inicial
- Avaliar sinais vitais e risco de sepse imediatamente.
- Documentar temperatura antes de antipirético e coletar amostras para cultura quando indicado.
- Pedir hemograma, PCR/VHS, função renal/hepática e radiografia de tórax de rotina.
- Usar ultrassonografia ou TC conforme foco suspeito; encaminhar para exames avançados se persistência sem diagnóstico.
- Evitar antibioticoterapia empírica indiscriminada; aplicá‑la quando houver forte suspeita bacteriana ou risco de pior desfecho.
Fechamento e insights práticos
Na prática clínica, o manejo da febre inespecífica no adulto combina raciocínio clínico dirigido, exames básicos seletivos e monitorização ativa. A chave é identificar sinais de gravidade, tentar localizar um foco por meio de anamnese e exame físico dirigidos, solicitar exames laboratoriais e imagens iniciais apropriadas, e reservar intervenções empíricas para casos com indicação clara. Para integrar essa abordagem na atenção primária ou no pronto-atendimento, veja também nosso post sobre abordagem inicial da febre em adultos na atenção primária e mantenha protocolos atualizados de imagem e uso racional de antibióticos.
Leituras e fontes úteis: diretrizes para febre em pacientes críticos (2023) e revisões sobre criopirinopatias e febre familiar do Mediterrâneo detalham investigação e tratamento e podem ser consultadas em artigos especializados (ver: portal.wemeds — diretrizes 2023, e revisões clínicas em SciELO sobre CAPS e FMF: criopirinopatias (CAPS), febre familiar do Mediterrâneo).
Para aprofundar habilidades diagnósticas de imagem e racionalidade terapêutica, recomendamos a leitura sobre ultrassonografia à beira-leito e o conteúdo sobre prescrição racional de antibióticos.