Dispepsia funcional e refluxo: manejo inicial prático
Introdução
Como diferenciar rapidamente dispepsia funcional de sintomas por doença do refluxo gastroesofágico e quais passos tomar já na primeira consulta? Pacientes com dor ou desconforto epigástrico são frequentes na prática ambulatorial; um algoritmo clínico objetivo reduz exames desnecessários e melhora o acompanhamento. Este texto reúne abordagem prática, sinais de alarme e opções de tratamento inicial, com referências e links para aprofundamento.
1. Definição e epidemiologia (breve)
A dispepsia funcional é caracterizada por sintomas de desconforto ou dor epigástrica, saciedade precoce e plenitude pós-prandial sem causa orgânica identificável. Estima-se que atinja parcela significativa da população adulta ao longo da vida; a DRGE é uma causa comum de sintomas superiores, com apresentação típica de azia e regurgitação. Para leitura de referência epidemiológica e definições, consulte revisões regionais e sumários clínicos confiáveis, como artigos de revisão e bases públicas (ex.: descrições em artigos de referência e guias clínicos).
2. Fisiopatologia e fatores de risco: implicações clínicas
Entender mecanismos ajuda a orientar o tratamento inicial:
- Hipersensibilidade gástrica: dor e desconforto podem persistir com motilidade quase normal; nestes casos, neuromoduladores em baixas doses podem ser eficazes.
- Dismotilidade gástrica e gastroparesia leve: num contexto de plenitude pós-prandial, avaliar ritmos de esvaziamento quando houver suspeita clínica.
- DRGE: disfunção do esfíncter esofágico inferior e refluxo ácido/ não-ácido; impacto na mucosa (esofagite) ou sintomas não erosivos.
- Helicobacter pylori: em locais com prevalência relevante, a infecção pode coexistir; test-and-treat permanece uma estratégia válida em muitos cenários.
Referência de leitura sobre fisiopatologia e manejo estão disponíveis em revisões e guias; um apanhado prático pode ser consultado em fontes especializadas.
3. Diagnóstico na prática (exclusão e direcionamento)
Avaliação inicial na consulta
História clínica focada e exame físico: duração dos sintomas, relação com refeições, presença de azia/regurgitação, sintomas de alarme, uso de anti-inflamatórios/anticoagulantes, consumo de álcool/tabaco, perda ponderal e sinais de anemia. Solicite hemograma se houver suspeita de perda sanguínea crônica ou anemia.
Sinais de alarme (encaminhar para endoscopia ou investigação urgente)
- Perda de peso não intencional
- Sangramento digestivo, melena ou hematêmese
- Disfagia progressiva ou odinofagia
- Vômitos persistentes
- Idade de início tardio (práticas locais: considerar endoscopia em novo quadro em >55 anos ou conforme diretriz local)
- Antecedente familiar significativo de câncer gastrointestinal
Exames complementares: quando pedir
- Endoscopia digestiva alta: indicadas na presença de sinais de alarme ou quando falha do tratamento empírico e persistência/recorrência de sintomas.
- Teste para Helicobacter pylori (sorologia não é ideal para teste-para-tratar): urease expiratória ou antígeno fecal são preferíveis para diagnóstico ativo e pós-tratamento.
- pHmetria / impedanciometria esofágica: indicado em casos de DRGE refratária a IBPs ou quando há discordância entre sintomas e endoscopia.
- Se suspeita de gastroparesia: cintilografia de esvaziamento ou testes funcionais conforme disponibilidade.
4. Manejo inicial prático (ambulatório)
Medidas não farmacológicas (sempre reforçar)
- Orientações sobre mudanças no estilo de vida: perda de peso em pacientes com sobrepeso, evitar refeições volumosas e tardias, elevar cabeceira da cama, reduzir alimentos gordurosos, cafeína, álcool e parar de fumar.
- Recomendações comportamentais para plenitude pós-prandial: fracionar refeições e reduzir ingestão de alimentos gatilho.
Tratamento farmacológico inicial
- Empírico para sintomas típicos de refluxo: inibidores da bomba de prótons (IBPs) por 4–8 semanas (p. ex. omeprazol 20 mg/dia) é prática comum; avaliar resposta e considerar manutenção apenas se houver benefício claro.
- Se teste positivo para H. pylori: indicar erradicação seguindo diretrizes locais (test-and-treat) e confirmar cura quando indicado (antígeno fecal ou urease expiratória).
- Dispepsia funcional predominante por saciedade precoce/ plenitude: considerar pró-cinéticos (quando apropriado e disponíveis) ou neuromoduladores em baixas doses (tricíclicos ou antidepressivos à noite) para hipersensibilidade gástrica, lembrando efeitos adversos e necessidade de monitorização.
- Antagonistas de receptor H2 podem ser usados em curto prazo para sintomatologia leve ou como adição, mas com tolerância a longo prazo.
Importante: personalizar a escolha farmacológica ao fenótipo clínico, com revisão em 4–8 semanas e ajuste conforme resposta.
Quando considerar terapias avançadas ou encaminhamento
- Falha terapêutica após tratamento otimizado: avaliar adesão, interações medicamentosas, diagnóstico alternativo e considerar pH-impedanciometria.
- DRGE refratária a IBP com esofagite erosiva grave ou complicações: encaminhar gastroenterologia para avaliação endoscópica e discussão sobre terapias endoscópicas/ cirúrgicas (fundoplicatura).
- Suspeita de gastroparesia ou doença motora: encaminhar para investigação especializada.
5. Seguimento e comunicação com o paciente
Agende retorno em 4–8 semanas para avaliar resposta. Se houver melhoria parcial, discutir plano de redução gradual (step-down) de IBP e manutenção de medidas não farmacológicas. Em pacientes com dispepsia funcional persistente, incluir suporte psicoeducativo e, se indicado, intervenções para manejo do estresse e encaminhamento para psicoterapia ou apoio de saúde mental; integrar abordagem biopsicossocial melhora adesão e resultados.
Recursos e leituras úteis
Para aprofundamento prático, recomenda-se revisar conteúdos clínicos relacionados no blog clínico: veja o artigo de dispepsia: abordagem prática para profissionais, o resumo sobre manejo de dispepsia e refluxo com foco em evidências, e a página sobre infecção por Helicobacter pylori para detalhes de testes e esquemas terapêuticos.
Fontes externas e revisões de referência incluem descrições epidemiológicas e fisiopatológicas disponíveis em revisões (por exemplo, sumários e artigos em periódicos) e guias clínicos; consulte análises aprofundadas como a revisão epidemiológica citada e material sobre fisiopatologia e manejo da Dispepsia funcional: estudo epidemiológico, uma síntese prática sobre Doença do Refluxo Gastroesofágico: fisiopatologia e manejo, e informações gerais de referência sobre dispepsia disponíveis em portais científicos e sumarizações públicas (resumo de dispepsia).
Fechamento
Na prática ambulatorial, a combinação de avaliação dirigida (excluindo sinais de alarme), intervenções em mudanças no estilo de vida, teste e tratamento de Helicobacter pylori quando indicado, e um período empírico de IBP ou outras medidas específicas conforme fenótipo traz beneficiários rápidos à maioria dos pacientes. Monitorar resposta em 4–8 semanas, documentar adesão e encaminhar diante de sinais de alarme ou falta de resposta. Um plano claro e comunicação objetiva aumentam adesão e efetividade do manejo inicial.