Introdução
Este texto é voltado principalmente para profissionais da saúde, mas está escrito em linguagem acessível ao paciente. Aborda a lesão pulmonar associada ao vaping (EVALI), uma síndrome inflamatória aguda do parênquima pulmonar relacionada ao uso de cigarros eletrônicos e líquidos de vaporização. O objetivo é definir EVALI, descrever sinais e sintomas, orientar o raciocínio diagnóstico e apresentar princípios do manejo inicial, com ênfase em medidas práticas aplicáveis em consultório, urgência e internação.
O que é EVALI: definição clínica e etiologia
EVALI é uma síndrome clínica caracterizada por lesão pulmonar aguda em indivíduos com história recente de vaping. A definição usual combina: (1) uso de vaporizadores em dias ou semanas anteriores ao início dos sintomas; (2) achados de imagem torácica compatíveis (opacidades em vidro fosco, consolidações multifocais); e (3) exclusão de outras causas plausíveis, como infecções respiratórias ou edema cardiogênico. Em resumo, trata‑se de uma lesão pulmonar possivelmente induzida por componentes dos líquidos de vaping.
A etiologia ainda não está totalmente esclarecida. Evidências epidemiológicas associaram vários casos ao acetato de Vitamina E (vitamina E acetate) presente em alguns líquidos de THC, mas outros solventes, metais e produtos de degradação térmica também podem contribuir. Por isso, a abordagem clínica prioriza a interrupção imediata do vaping e o manejo de suporte enquanto se investigam causas alternativas.
Sinais, sintomas e apresentação clínica
A apresentação é variada. Os achados mais frequentes incluem:
- Sintomas respiratórios: tosse, dispneia progressiva, desconforto torácico.
- Sintomas sistêmicos: febre, calafrios, fadiga e mialgias.
- Sintomas gastrointestinais: náuseas, vômitos e dor abdominal, presentes em muitos casos.
- Hipoxemia: dessaturação em repouso ou esforço, que pode evoluir para necessidade de oxigenoterapia ou ventilação mecânica em casos graves.
Em adolescentes e adultos jovens a evolução pode ser rápida (horas a dias). Sinais de alerta que indicam necessidade de atendimento imediato incluem piora rápida da dispneia, confusão, tontura ou saturação persistentemente baixa.
Como é feito o diagnóstico: critérios e abordagem prática
O diagnóstico de EVALI é, em grande parte, de exclusão e se apoia em história de vaping recente associada a achados radiológicos típicos. A abordagem prática inclui:
- Anamnese detalhada: tipo de dispositivo, composição do líquido (nicotina, THC, diluentes), frequência de uso, fonte do produto e início dos sintomas.
- Exame físico: avaliação de sinais vitais, ausculta pulmonar e sinais de comprometimento sistêmico.
- Imagem: radiografia de tórax inicial; a tomografia computadorizada (TC) de tórax de alta resolução é mais sensível para padrões em vidro fosco, consolidações e distribuição bilateral que sugerem EVALI.
- Exames laboratoriais: hemograma, PCR, provas de função renal e hepática; testes para agentes infecciosos respiratórios (incluindo SARS‑CoV‑2 e influenza) conforme suspeita clínica.
- Broncoalveolar: em pacientes selecionados, lavado broncoalveolar (BAL) pode ajudar a excluir infecções e identificar achados inflamatórios, embora não exista marcador laboratorial definitivo para EVALI.
Para decisões sobre terapia antimicrobiana, integre critérios clínicos e laboratoriais e consulte protocolos locais, por exemplo ao revisar critérios de decisão de antibiótico em infecções respiratórias.
Manejo inicial e conduta clínica
O tratamento é baseado em três pilares: interrupção do vaping, suporte respiratório e abordagem farmacológica quando indicada.
- Interromper o vaping: orientar cessação imediata do uso de vaporizadores e de produtos que contenham THC ou componentes de procedência duvidosa.
- Suporte respiratório: oxigenoterapia para hipoxemia; em casos moderados a graves considerar ventilação não invasiva ou invasiva conforme necessidade.
- Corticosteroides: muitos centros observam resposta clínica a corticosteroides sistêmicos em EVALI não infecciosa (ex.: prednisona 0,5–1 mg/kg/dia), com ajuste segundo resposta e efeitos adversos. Antes de iniciar, avalie risco de infecção ativa e comorbidades (diabetes, imunossupressão).
- Antibióticos/antivirais: iniciar apenas quando houver suspeita razoável de infecção concomitante; reavaliar conforme resultados microbiológicos.
- Suporte sintomático: hidratação, controle de náuseas, analgesia e fisioterapia respiratória conforme indicado.
Exames laboratoriais e monitoramento durante o tratamento
- Oximetria contínua ou gasometria arterial para avaliar repercussão da hipoxemia.
- Hemograma e marcadores inflamatórios (PCR) para acompanhar resposta.
- Função renal e hepática para monitorar efeitos de medicamentos, especialmente corticosteroides.
- Testes para agentes respiratórios (vírus, bactérias) e culturas quando houver febre persistente ou piora.
- Imagens seriadas (radiografia ou TC) para avaliar resolução ou progressão das lesões.
Reabilitação, acompanhamento e prevenção de recidivas
Após a fase aguda, foque em reabilitação pulmonar, suporte à cessação do vaping e prevenção de novas exposições. Recomendações práticas:
- Programas de cessação com aconselhamento, suporte comportamental e, quando indicado, terapia de reposição de nicotina.
- Monitorização da função pulmonar em follow‑up e avaliação da necessidade de oxigênio domiciliar ou reabilitação respiratória.
- Tratamento integrado de comorbidades (asma, DPOC, doenças cardiovasculares) para reduzir risco de piora a longo prazo.
Reforce ao paciente que vaporizar não é alternativa inocua ao tabaco e que a prevenção de novas exposições é essencial para preservar a função pulmonar.
Diferenciais diagnósticos: como diferenciar EVALI de outras condições
Principais diagnósticos diferenciais a considerar:
- Pneumonia bacteriana ou viral.
- Edema pulmonar cardiogênico ou não cardiogênico.
- Pneumonite por hiperssensibilidade e doenças intersticiais.
- Pneumonite lipoide ou reações a solventes presentes em líquidos de vaping.
A diferenciação exige integração de história de exposição, exames laboratoriais, imagens e, quando necessário, discussão com pneumologia.
Implicações de saúde pública e educação do paciente
Profissionais de saúde têm papel chave na vigilância de casos, notificação e educação sobre riscos do vaping. A comunicação deve ser clara e sem julgamentos para favorecer a adesão às medidas de cessação. Para orientar encaminhamentos relacionados a dor torácica e avaliação clínica, utilize recursos locais como o protocolo de dor torácica não aguda: avaliação e encaminhamento. Para contextualizar riscos ocupacionais e ambientais respiratórios, consulte também material sobre doenças respiratórias ocupacionais.
Passos práticos no consultório ou na emergência
Ao atender paciente com sintomas respiratórios e história de vaping, siga estes passos imediatos:
- Obtenha história detalhada de vaping (produto, fonte, frequência, uso de THC).
- Realize avaliação clínica e solicite radiografia de tórax; indique TC de tórax se houver suspeita alta ou piora clínica.
- Trate a hipoxemia com oxigênio suplementar e estratifique necessidade de internação.
- Considere corticosteroides em casos moderados a graves após exclusão razoável de infecção ativa; monitorize glicemia e sinais de infecção.
- Oriente cessação imediata do vaping e organize follow‑up com pneumologia e reabilitação quando indicado.
Notas finais e recomendações
Adaptar condutas às diretrizes locais e à disponibilidade de recursos é essencial. Em caso de dúvida diagnóstica ou manejo complexo, procure orientação de pneumologia. A detecção precoce, a interrupção da exposição e o suporte adequado reduzem morbidade e potencial mortalidade associadas à EVALI.