Manejo de anemia ferropriva na atenção primária

Manejo de anemia ferropriva na atenção primária

Introdução

Como identificar e tratar rapidamente a anemia ferropriva em adultos na prática diária? Para profissionais de saúde na atenção primária, reconhecer padrões clínicos, solicitar exames adequados e iniciar a reposição de ferro corretamente reduz tempos de recuperação, evita encaminhamentos tardios e identifica causas potencialmente graves como sangramento gastrointestinal. Este texto reúne orientações práticas baseadas em evidências para diagnóstico, terapêutica e seguimento.

Epidemiologia, causas e sinais clínicos

Epidemiologia

A anemia ferropriva é a forma mais comum de anemia globalmente. Em adultos, é frequentemente subdiagnosticada na atenção primária; prevalência aumenta em populações com perdas sanguíneas crônicas, dieta pobre em ferro e doenças que comprometem a absorção intestinal.

Causas e fatores de risco

  • Perdas sanguíneas crônicas: sangramento gastrointestinal oculto, hemorragia uterina (menorragia), uso crônico de AINEs.
  • Ingestão inadequada: dietas vegetarianas mal planejadas, baixa ingestão em idosos.
  • Má absorção: doença celíaca, cirurgia bariátrica, gastrite atrófica.
  • Condições com maior demanda: gravidez, processos inflamatórios crônicos.

Sinais e sintomas

Fadiga, palidez, hipotensão ortostática, taquicardia, dispneia aos esforços, tontura e, em casos prolongados, comprometimento funcional. Em consulta, investigar história de sangramentos, hábitos alimentares e medicamentos.

Diagnóstico e exames laboratoriais recomendados

Solicite hemograma e marcadores de ferro iniciais. Exames-chave:

  • Hemoglobina (Hb): confirma anemia (limiares: geralmente <13 g/dL em homens e <12 g/dL em mulheres).
  • Ferritina sérica: marcador de reserva. Valores <30 ng/mL indicam deficiência; em estados inflamatórios, limiares mais altos (p.ex. <100 ng/mL) com saturação de transferrina <20% sugerem deficiência funcional.
  • Saturação de transferrina (TSAT) e ferro sérico.
  • Hemograma com índices e, se necessário, reticulócitos para avaliar resposta terapêutica.

Em casos suspeitos de sangramento oculto, considere pesquisa de hemorragia digestiva (teste de sangue oculto nas fezes) e encaminhamento para colonoscopia conforme risco e idade do paciente. Diretrizes e revisões práticas detalham fluxos diagnósticos e podem ser consultadas para decisão clínica rápida (ver referências externas abaixo).

Tratamento: reposição de ferro e monitorização

Reposição oral (primeira linha)

A terapia inicial na maioria dos adultos é a reposição de ferro por via oral. Doses usuais recomendadas: aproximadamente 120–180 mg de ferro elementar por dia, administradas preferencialmente em jejum para otimizar absorção. Exemplos práticos: formulações comuns (p.ex. sulfato ferroso) devem ser prescritas considerando a quantidade de ferro elementar presente.

Orientações de administração para melhorar absorção e tolerabilidade:

  • Tomar com vitamina C (suco de laranja) para aumentar absorção.
  • Evitar ingestão concomitante de chá, café ou produtos lácteos próximos à dose.
  • Informar sobre efeitos adversos gastrointestinais (náuseas, constipação) e estratégias: reduzir dose, fracionar ou trocar formulação conforme tolerância.
  • Duração: normalização da Hb costuma ocorrer em 6–8 semanas; continuar por mais ~6 meses para reabastecer as reservas de ferro.

Reavaliar hemograma em cerca de 4 semanas para verificar aumento de Hb (espera-se melhora clínica e, tipicamente, aumento da Hb em ~1 g/dL nas primeiras 4 semanas). Se sem resposta adequada, revisar adesão, interação medicamentosa, diagnóstico ou considerar via intravenosa.

Ferro intravenoso: quando indicar

Indicações para administração parenteral incluem:

  • Intolerância gastrointestinal significativa ou não adesão à terapia oral.
  • Falha de resposta ao tratamento oral (ausência de aumento clínico/laboratorial esperado).
  • Anemia severa que exige correção mais rápida ou quando há perda sanguínea contínua.
  • Má absorção intestinal (p.ex. doença celíaca ativa, pós-cirurgia bariátrica).

Preparações intravenosas (p.ex. carboximaltose férrica, sacarato ferroso) são utilizadas conforme disponibilidade local e protocolo institucional; monitorar reações infusionais e adequar dose total calculada. Encaminhe para serviço de infusão conforme rotinas locais.

Investigação da causa subjacente e papel da atenção primária

A investigação etiológica é tão importante quanto a reposição. Na atenção primária, tomar medidas iniciais:

  • Anamnese dirigida para perdas ocultas (sangramento menstrual, hematoquezia, melena), uso de AINEs/anticoagulantes e sintomas gastrointestinais.
  • Solicitar testes de sangue oculto, avaliar necessidade de encaminhamento para endoscopia/colonoscopia (p.ex. maiores de 50 anos ou sinais de alarme).
  • Avaliar causas de má absorção (triagem para doença celíaca) e doenças crônicas inflamatórias.

O papel da atenção primária inclui rastreamento oportuno, educação sobre adesão e dieta, monitorização de resposta ao tratamento e encaminhamento apropriado quando indicação de investigação mais aprofundada existe. Para caminhos práticos de avaliação e fluxos de encaminhamento, ver materiais sobre avaliação clínica de anemia e manejo inicial no consultório.

Orientações dietéticas e educação do paciente

  • Incentivar alimentos ricos em ferro heme (carnes) e fontes vegetais combinadas com vitamina C para aumentar absorção.
  • Alertar sobre inibidores de absorção: chá, café, cálcio e alguns fitatos; evitar ingestão próxima à dose de ferro.
  • Reforçar adesão: explicar objetivos (normalizar Hb e reabastecer reservas), duração esperada do tratamento e sinais de alerta que exigem retorno.

Fechamento e recomendações práticas

Pontos-chave para aplicar na prática clínica da atenção primária:

  • Confirme anemia com hemograma e avalie ferritina e TSAT para caracterizar deficiência de ferro.
  • Inicie reposição oral (120–180 mg de ferro elementar/dia) na maioria dos casos e reavalie em 4 semanas.
  • Investigue causas subjacentes (sangramentos, má absorção); solicite exames ou encaminhe quando indicado.
  • Considere ferro IV se houver intolerância, má absorção ou resposta inadequada.
  • Eduque sobre dieta, interações que reduzem absorção e importância da adesão até completar o período de reposição de estoques (~6 meses adicionais após normalização da Hb).

Para fluxos detalhados de diagnóstico e manejo inicial no consultório, consulte nossos guias práticos: manejo inicial, diagnóstico e manejo e avaliação clínica da anemia. Em pacientes com suspeita de sangramento digestivo, avalie indicação de endoscopia/colonoscopia conforme critérios de risco; veja também a discussão sobre quando indicar colonoscopia na atenção primária.

Referências selecionadas

Documentos e revisões úteis para aprofundamento: diretrizes da BVS Atenção Primária sobre anemia ferropriva, revisão sobre tratamento oral publicada na RBHH que discute posologia e evidências práticas (Tratamento da anemia ferropriva com ferro por via oral) e revisão clínica sobre causas, diagnóstico e tratamento (Anemia ferropênica no adulto). Outra fonte de apoio prático é o conteúdo educacional disponível em portais especializados (Anemia Care – FerroPriva).

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