Manejo racional de antimicrobianos em IRAs ambulatoriais
Introdução
Prescrever um antibiótico para tosse, febre ou congestão nas consultas ambulatoriais: é sempre necessário? A maioria das infecções respiratórias agudas na atenção primária é viral, e o uso indiscriminado de antibióticos contribui diretamente para a resistência antimicrobiana. Estudos recentes, incluindo uma dissertação que analisou 472 prontuários pediátricos no Hospital Santo Antônio, mostram uso frequente de antibióticos em crianças pequenas mesmo quando a etiologia é provavelmente viral; a penicilina cristalina e a ceftriaxona foram amplamente registradas nesse contexto (ver estudo: Dissertação UFBA 2024).
Diagnóstico: diferenciar viral de bacteriano
O primeiro passo para o uso racional de antimicrobianos é uma avaliação clínica focada e, quando indicado, testes pontuais. A decisão clínica deve priorizar:
- Avaliação clínica: início súbito, febre alta persistente, dor focal (otite média, faringite com exsudato), taquipneia e sinais de consolidação sugerem etiologia bacteriana.
- Testes point-of-care: testes rápidos (ex.: antígeno para influenza, testes de estreptococo) e PCR de nasofaringe quando disponíveis podem alterar a conduta terapêutica.
- Marcadores inflamatórios: a proteína C reativa (CRP) point-of-care pode reduzir prescrições inapropriadas quando interpretada no contexto clínico, especialmente em adultos.
- Critérios e red flags: considere referência ou antibioticoterapia imediata se houver hipoxemia, dificuldade respiratória importante, sinais de sepse, desidratação ou piora rápida.
Para orientação prática sobre abordagem ambulatorial e triagem, veja também nosso material sobre manejo pragmático de infecções respiratórias agudas na APS.
Tratamento: quando e o que prescrever
Prescrever apenas quando há forte probabilidade de infecção bacteriana ou risco aumentado de complicações. Princípios essenciais:
- Prescrever com propósito: siga diretrizes locais e nacionais (por exemplo, recomendações da OMS e sociedades pediátricas). Veja o guia da OMS para manejo de IRAs como referência global: Diretrizes OMS.
- Escolha o antimicrobiano mais estreito possível: quando indicado, prefira agentes de espectro dirigido ao patógeno suspeito e ajuste conforme cultura/antibiograma local.
- Duração mínima eficaz: adotar a menor duração comprovada por evidência para reduzir exposições desnecessárias; siga protocolos locais e a avaliação clínica de resposta.
- Estratégias práticas: estratégia de ‘watchful waiting’ com prescrição tardia ou retida para casos ambíguos, uso de testes rápidos e reavaliação em 48–72 horas podem reduzir prescrições desnecessárias.
Para guias práticos de prescrição ambulatorial e para alinhar a escolha terapêutica com políticas de stewardship, consulte nosso post sobre prescrição racional de antibióticos no ambulatório e a seção sobre uso racional em infecções respiratórias no blog: uso racional de antibióticos em infecções respiratórias.
Indicações típicas para antibioticoterapia
- Pneumonia bacteriana presumida (sintomas e sinais respiratórios focais, taquipneia, alteração de exame de imagem quando disponível).
- Otite média aguda com dor moderada/severa, febre alta ou em crianças pequenas de maior risco.
- Faringoamigdalite por Streptococcus pyogenes confirmada por teste rápido ou cultura (usar critérios clínicos e teste).
- Sinusite bacteriana aguda persistente (>10 dias sem melhora) ou com sintomas graves.
Prevenção e stewardship
Programas de stewardship são essenciais para reduzir a resistência antimicrobiana e preservar opções terapêuticas. Medidas-chave para a assistência ambulatorial:
- Vacinação: promover vacinas sazonais (influenza), e pneumocócica quando indicadas, reduzindo carga de doença e necessidade de antibióticos.
- Educação ao paciente: explicar etiologia viral, esperado curso clínico e sinais de alarme; folhetos e comunicação estruturada aumentam adesão às condutas conservadoras.
- Ferramentas de apoio clínico: fluxos de decisão, restrição de agentes de amplo espectro e auditoria com feedback para prescritores.
- Monitorização de resistência local: use dados locais (laboratório/hospital) para guiar escolhas empíricas; estudos regionais mostram variabilidade significativa — por exemplo, altas taxas de resistência em isolados gram-negativos em alguns países, realçando necessidade de vigilância.
Diretrizes pediátricas específicas ajudam a padronizar decisões e reduzir prescrições indevidas; a Sociedade Brasileira de Pediatria oferece recomendações úteis para crianças.
Complicações, seguimento e critérios de referência
Monitore resposta clínica em 48–72 horas. Encaminhe ou hospitalize se houver:
- Hipoxemia (SpO2 < 92% em adultos, referências pediátricas específicas para crianças), dispneia progressiva ou taquipneia grave.
- Sinais de sepse, dificuldade para alimentar em lactentes, apneia, ou desidratação significativa.
- Falha terapêutica: piora após 48–72 horas de tratamento adequado ou recorrência precoce após alta.
Implementação prática em clínicas e unidades básicas
Passos pragmáticos para equipes de atenção primária e ambulatórios:
- Adotar protocolos locais baseados em evidência e integrar ferramentas de stewardship (prescrição tardia, testes rápidos, CRP POCT).
- Registrar e auditar prescrições, com feedback educativo a prescritores.
- Oferecer materiais padronizados para comunicação com pacientes e treinamentos periódicos da equipe clínica.
- Colaborar com microbiologia para atualizar guias empíricos conforme o perfil de resistência local; estudos regionais (por exemplo, análises multicêntricas) mostram que resistência pode ser muito superior em ambientes hospitalares comparados aos ambulatoriais, reforçando necessidade de dados locais.
Para um guia prático de implementação no contexto ambulatorial, consulte também nosso conteúdo sobre uso racional de antibióticos na prática clínica ambulatorial e avaliações pragmáticas de manejo em APS.
Fechamento e recomendações para a prática
O manejo racional de antimicrobianos em infecções respiratórias agudas exige integração de avaliação clínica sólida, uso criterioso de testes diagnósticos e adoção de estratégias de stewardship. Ao priorizar a prescrição direcionada, a menor duração eficaz e medidas preventivas (vacinação e educação), as equipes ambulatoriais reduzem danos individuais e limitam a evolução da resistência antimicrobiana. Para fundamentar decisões clínicas locais, utilize diretrizes reconhecidas e estudos regionais — por exemplo, as recomendações da OMS e materiais da SBP são recursos práticos e atualizados (OMS, SBP) — e mantenha atenção a evidências de uso real em serviços, como descrito na dissertação da UFBA (Dissertação UFBA 2024).
Implante pequenos ciclos de melhoria: definir um protocolo local, treinar a equipe, monitorar prescrições e ajustar com base em dados de resistência — ações simples que geram impacto clínico e epidemiológico real.