Manejo prático da síndrome do intestino irritável

Manejo prático da síndrome do intestino irritável

Introdução

Você vê pacientes com dor abdominal recorrente e alterações do trânsito intestinal com frequência? A Síndrome do Intestino Irritável (SII) afeta cerca de 11% da população mundial e é uma das causas mais comuns de consulta em gastroenterologia. Saber como aplicar os Critérios de Roma IV, quando excluir outras doenças e como individualizar o tratamento é essencial para resultados clínicos consistentes.

Diagnóstico: critérios e exclusão de sinais de alarme

Critérios diagnósticos

O diagnóstico da SII é predominantemente clínico. Use sistematicamente os Critérios de Roma IV:

  • Dor abdominal recorrente, em média ≥1 vez por semana nos últimos 3 meses;
  • Associada a ≥2 das características: melhora com defecação, início associado à alteração da frequência das evacuações, início associado à alteração da forma das fezes.

Classifique a SII por predominância de fezes: SII-D (diarreia), SII-C (constipação), SII-M (mista) — isso orienta a escolha terapêutica.

Quando investigar mais: sinais de alarme e testes úteis

Procure sinais de alarme que exigem investigação adicional (sangue oculto, perda ponderal não intencional, anemia, febre, início após 50 anos, história familiar de câncer colorretal ou doença inflamatória intestinal). Nestes casos, indique exames complementares.

  • Exames de rotina: hemograma, PCR/VHS (se suspeita inflamatória), função tiroideana conforme quadro clínico.
  • Calprotectina fecal para distinguir SII de doença inflamatória intestinal — ver também recomendações práticas sobre calprotectina em atenção primária.
  • Sorologia para doença celíaca (IgA total + anti‑TTG) quando clinicamente indicada.
  • Exames de fezes dirigidos (se diarreia persistente ou sinais infecciosos).
  • Colonoscopia: indicada na presença de sinais de alarme ou conforme rastreamento de câncer colorretal — detalhes e critérios de indicação podem ser consultados na orientação local sobre quando indicar colonoscopia.

Para distinguir de doenças inflamatórias intestinais e condutas de encaminhamento, utilize fluxos locais e as diretrizes especializadas (veja também material sobre doenças inflamatórias intestinais: diagnóstico e manejo).

Manejo: abordagem multifacetada e escolha terapêutica

Princípios gerais

As diretrizes recomendam uma abordagem individualizada e multifatorial: combinar modificações no estilo de vida, intervenção dietética, terapias farmacológicas e psicológicas quando indicado. A Associação Canadense de Gastroenterologia reforça essa estratégia integrada.

Modificações no estilo de vida e intervenções dietéticas

Recomende atividade física regular, higiene do sono e técnicas de redução do estresse (mindfulness, exercícios respiratórios). Na esfera dietética:

  • Dietas com baixo teor de FODMAPs demonstram eficácia na redução de sintomas em muitos pacientes, mas exigem reintrodução guiada e acompanhamento nutricional devido à dificuldade de adesão a longo prazo e ao risco de restrição nutricional.
  • Outras estratégias: registro alimentar para identificação de gatilhos individuais, ajuste de fibras conforme tipo clínico (solúveis para SII-C; evitar excesso de fibras insolúveis se piora de sintomas).

Estudo comparativo (CARBIS) encontrou benefício superior da dieta baixa em FODMAPs frente a outras abordagens dietéticas e terapêuticas em alguns desfechos, o que pode orientar escolhas em pacientes motivados e com suporte nutricional (referência CARBIS).

Terapias farmacológicas

Escolha baseada na predominância sintomática:

  • SII-D: loperamida para controle de diarreia; considerer antiespasmódicos e, quando apropriado, antimicrobianos tópicos (rifaximina em regimes aprovados) para sintomas de predominância sob bactéria intestinal pequena (avaliar indicação local).
  • SII-C: laxantes osmóticos (por exemplo, polietilenoglicol) e ajuste de fibra; lubiprostona/linaclotida conforme disponibilidade e indicação clínica.
  • Pain predominant: antiespasmódicos e analgésicos adjuvantes; para dor abdominal crônica refratária, considerar antidepressivos tricíclicos em baixas doses (analgesia visceral) ou ISRS conforme comorbidades psiquiátricas.

Monitore efeitos adversos e interações. Documente objetivos claros (redução percentual de sintomas, melhora em escore padronizado) e período de teste terapêutico.

Terapias psicológicas e alternativas

Intervenções como terapia cognitivo-comportamental e hipnoterapia intestinal têm evidência de redução de sintomas e melhora da qualidade de vida, especialmente em pacientes com componente central de dor e sintomas persistentes apesar de tratamento convencional. Revisões integrativas apontam também resultados promissores para probióticos e fitoterápicos em contextos selecionados; avalie evidência e segurança caso a caso (revisão integrativa).

Acompanhamento clínico: monitorização, educação e encaminhamentos

Monitorização e metas

Agende seguimento para avaliar resposta (ex.: 4–12 semanas após mudanças terapêuticas), usando ferramentas padronizadas quando possível (IBS‑SSS, diário de sintomas). Ajuste tratamento conforme resposta e tolerância.

Educação e autocuidado

Educar o paciente sobre a natureza funcional da SII, identificar gatilhos individuais, incentivar registro de sintomas e alimentação e treinar estratégias de enfrentamento são pilares para adesão e resultados. Envolver nutricionista quando for instituir dietas com baixo teor de FODMAPs é recomendado.

Quando referir

  • Presença de sinais de alarme não elucidada;
  • Falha terapêutica após abordagem estruturada, suspeita de SIBO (considere investigação e manejo; ver recursos sobre SIBO na prática primária);
  • Necessidade de terapias especializadas (p.ex. tratamentos avançados, avaliação multidisciplinar).

Recorra ao encaminhamento quando houver dúvida diagnóstica ou necessidade de endoscopia/monitorização especializada. Para casos com suspeita de superposição com dispepsia funcional, confira abordagens integradas em abordagem clínica à dispepsia e sintomas funcionais.

Fechamento e orientações práticas

Na prática clínica, aplicar os Critérios de Roma IV, excluir sinais de alarme com exames direcionados e priorizar uma abordagem multifatorial são passos essenciais. Combine intervenções de estilo de vida, dieta com acompanhamento nutricional, farmacoterapia orientada pela predominância dos sintomas e encaminhamento para terapias psicológicas quando indicado.

  • Use abordagem individualizada e metas claras de tratamento.
  • Considere calprotectina fecal e colonoscopia conforme sinais de alarme; para critérios e indicação de colonoscopia, consulte protocolos locais e orientações sobre rastreamento.
  • Engaje nutricionista para implementação e reintrodução na dieta baixa em FODMAPs.
  • Documente resposta com instrumentos padronizados e revise a estratégia a cada visita.

Fontes e leituras recomendadas: diretrizes da ACG sobre manejo multifacetado (link para orientação), estudo CARBIS sobre dietas e evidências sobre terapias alternativas e fitoterápicos — consulte as referências citadas ao longo do texto. Para conteúdo relacionado em cuidado primário e triagem de condições associadas, veja também materiais do blog sobre quando indicar colonoscopia, SIBO na prática primária e calprotectina fecal na atenção primária.

Referências externas citadas no texto: orientação da ACG disponível em site de revisão clínica (intramed), estudo CARBIS comparando dietas e tratamentos (intramed CARBIS) e revisão integrativa sobre alternativas e fitoterápicos (AcervoMais).

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