Triagem e manejo prático da anemia ferropriva

Triagem e manejo prático da anemia ferropriva

Introdução

Você identifica pacientes fatigados, pálidos ou com tontura no ambulatório e precisa priorizar investigação e tratamento? A anemia ferropriva é a causa mais comum de anemia em adultos e exige uma abordagem dirigida: triagem rápida, confirmação laboratorial, reposição adequada de ferro e investigação da causa subjacente para evitar recidivas.

Bloco 1 — Epidemiologia, causas e sinais clínicos

Epidemiologia e fatores de risco

A deficiência de ferro é prevalente em diversas faixas etárias e grupos de risco: mulheres em idade reprodutiva com menorragia, idosos com perda gastrointestinal crônica, pacientes com cirurgia bariátrica ou doenças inflamatórias intestinais, e indivíduos com ingestão alimentar insuficiente. Reconhecer o fator de risco orienta a investigação etiológica.

Principais causas

  • Perda sanguínea crônica (gastrointestinal, uterina).
  • Ingestão inadequada de ferro.
  • Mau-absorção (ex.: doença celíaca, cirurgia gástrica).
  • Inflamação crônica (pode coexistir deficiência verdadeira e anemia de doença).

Sinais e sintomas sugestivos

  • Fadiga, fraqueza, intolerância ao exercício.
  • Palidez cutânea e mucosas; taquicardia em anemia significativa.
  • Alterações ungueais (coiloniquia), glossite, pica em casos avançados.

Bloco 2 — Triagem e exames diagnósticos práticos

Exames iniciais essenciais

Comece com hemograma completo, ferritina sérica e índices de ferro (transferrina/TIBC ou saturação de transferrina). Para a prática ambulatorial, use estas diretrizes rápidas:

  • Hemoglobina (Hb): define gravidade; sintomas e necessidade de encaminhamento dependem não só do valor absoluto, mas da velocidade da queda.
  • Ferritina: marcador de reserva. Valores baixos confirmam deficiência (ex.: ferritina <30 ng/mL na maioria dos casos). Em inflamação, ferritina pode estar normal/alta — interprete junto com PCR ou condição inflamatória.
  • Saturação de transferrina (TSAT) < 20% sugere deficiência funcional/absoluta.

Interpretação prática

  • Hb baixa + ferritina baixa: confirmação de anemia ferropriva.
  • Ferritina normal/alto com inflamação: considere anemia da doença ou deficiência funcional; use TSAT e avaliar contexto clínico.
  • Se suspita-se perda sanguínea, avalie sinais de sangramento gastrointestinal e encaminhe conforme risco (ver triagem abaixo).

Quando investigar a origem?

Investigue sempre a causa em adultos: pesquisa de sangramento digestivo (hemorragia oculta, colonoscopia conforme idade e fatores de risco), avaliação ginecológica em mulheres com sangramento uterino, e investigação de má absorção. Diretrizes e revisões clínicas atualizadas auxiliam na escolha de exames complementares e na priorização dos encaminhamentos — consulte revisões recentes para detalhes de indicação de colonoscopia e exames gastrointestinais.

Bloco 3 — Tratamento prático: ferro oral e intravenoso

Princípios gerais

O objetivo é corrigir a anemia, repletar estoques de ferro e tratar a causa. O tratamento com ferro deve ser iniciado preferencialmente por via oral quando tolerado e apropriado, com monitorização clínica e laboratorial.

Ferro oral — opções e recomendações práticas

  • Formulação comum: sulfato ferroso 325 mg (≈ 65 mg de ferro elementar). Alternativas incluem fumarato ferroso ou gluconato conforme disponibilidade.
  • Doses usuais: 1 dose de 60–100 mg de ferro elementar ao dia é eficaz; regimes 1–3x/dia ou dose em dias alternados podem ser usados para melhorar absorção e tolerabilidade. Ajuste conforme resposta e efeitos adversos.
  • Instruções ao paciente: tomar com vitamina C (suco de laranja) pode aumentar absorção; evitar com alimentos ricos em cálcio, antiácidos, café e chá próximos à dose.
  • Duração: continuar por pelo menos 3 meses após normalização da Hb para repleção de estoques (habitualmente total de tratamento 3–6 meses dependendo da gravidade e resposta).

Ferro intravenoso — quando indicar e opções

Indicações práticas para ferro IV:

  • Intolerância significativa ou não adesão ao ferro oral.
  • Má-absorção (p.ex. pós-cirurgia bariátrica, doença inflamatória intestinal ativa, doença celíaca não tratada).
  • Anemia grave sintomática ou necessidade de reposição rápida (p.ex. Hb muito baixa, preparação para cirurgia, falha terapêutica com via oral).

Formulações modernas (ferric carboxymaltose, sucrose, iron isomaltoside) permitem administração em doses maiores e com menos reações. Escolha conforme disponibilidade, protocolo local e cálculo da dose de reposição. Avalie necessidades de observação pós-infusão e riscos de reação alérgica.

Monitorização

  • Reavaliar Hb em 2–4 semanas; espera-se aumento de Hb ≈ 1 g/dL a cada 2–4 semanas em terapia eficaz.
  • Verificar ferritina e TSAT ao alcançar normalização da Hb e após 3 meses de terapia para confirmar repleção.
  • Se sem resposta em 4 semanas (aumento de Hb < 1 g/dL), reavaliar adesão, absorção, diagnóstico (coexistência de inflamação, talassemia, perda contínua) e considerar ferro IV.

Bloco 4 — Investigação da causa e sinais de alerta

Passos práticos na investigação

  • História detalhada: sangramentos menstruais, uso de AINES/anticoagulantes, sintomas gastrointestinais, cirurgia prévia, dieta.
  • Exame físico focalizado e triagem para sinais de sangramento oculto (melena, hematoquezia, comorbidades).
  • Encaminhamento dirigido: ginecologia para sangramento uterino anormal; gastrologia/coloproctologia para perda GI suspeita (ex.: >50 anos ou sinais de alarme: perda de peso, alteração do hábito intestinal, sangramento, dor abdominal persistente).

Sinais de alerta para urgência

  • Instabilidade hemodinâmica, sincope, taquicardia sintomática — avaliar em serviço de urgência.
  • Sangramento gastrointestinal ativo ou suspeita de malignidade — investigação urgente.
  • Anemia muito severa com sintomas cardiorrespiratórios — considerar transfusão e avaliação hospitalar.

Prevenção, educação nutricional e adesão

Oriente pacientes sobre fontes alimentares de ferro (carnes vermelhas, vísceras, leguminosas, verduras) e otimização da absorção (vitamina C, evitar chá/café nas refeições). Em pacientes com fatores de risco crônicos, combine educação para adesão com reavaliação programada para evitar recidiva.

Recursos e leituras selecionadas

Para revisão detalhada das causas, diagnóstico e opções terapêuticas, consulte revisões e diretrizes: a revisão brasileira disponível na SciELO fornece panorama clínico e terapêutico, e o resumo prático do BMJ Best Practice traz orientações diagnósticas e de manejo. Conteúdos de referência e orientação ao paciente também podem ajudar na educação clínica.

Leituras úteis (exemplos integrados no texto): artigos de revisão em SciELO sobre diagnóstico e tratamento, orientação prática sobre terapia oral e protocolos clínicos no BMJ Best Practice, e sumário para educação do paciente em mdsaude.com.

Links do blog para aprofundar prática ambulatorial: veja guias locais e protocolos práticos em anemia ferropriva prática ambulatorial, manejo anemia ferropriva APS, diagnóstico e manejo em adultos e avaliação clínica da anemia em adultos para algoritmos e checklists.

Links externos confiáveis citados no texto: revisão clínica e diretrizes nacionais (https://www.scielo.br/j/rbhh/a/DGrknHs7sMCwNRKMTCM9YkF), revisão prática sobre tratamento oral (https://www.scielo.br/j/rbhh/a/BmJ9B3sJ7mGMV7PSCh4GZSw) e síntese clínica do BMJ Best Practice (https://bestpractice.bmj.com/topics/pt-br/94).

Fechamento e pontos práticos

Na atenção ambulatorial, priorize: 1) triagem rápida com hemograma e ferritina, 2) início de tratamento com ferro oral quando indicado, 3) investigação dirigida da causa (principalmente perdas GI e uterinas) e 4) monitorização da resposta em 2–4 semanas. Encaminhe com urgência pacientes instáveis, com suspeita de sangue oculto ativo ou sem resposta ao tratamento oral. Aplicando algoritmos simples e educação ao paciente você reduz morbilidade e recidivas decorrentes da deficiência de ferro.

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