Anemia em adultos: diagnóstico diferencial e investigação básica na prática clínica

Anemia em adultos: diagnóstico diferencial e investigação básica na prática clínica

A anemia é definida pela redução da concentração de hemoglobina e compromete a entrega de oxigênio aos tecidos. Em adultos, as causas são múltiplas — da deficiência de ferro a doenças crônicas e alterações genéticas — o que exige um raciocínio clínico estruturado para diagnóstico e investigação. Este texto apresenta uma abordagem prática para profissionais de saúde, integrando exames iniciais, sinais clínicos e indicações para exames complementares.

Classificação segundo o volume corpuscular médio (VCM)

O primeiro passo na avaliação laboratorial é a classificação pelo VCM, que orienta o diagnóstico diferencial e os exames subsequentes:

  • Anemia microcítica (VCM < 80 fL): mais frequentemente por deficiência de ferro; também por talassemias, anemia sideroblástica e intoxicação por chumbo.
  • Anemia normocítica (VCM 80–100 fL): típica de anemias agudas, insuficiência renal crônica e anemias de doença crônica.
  • Anemia macrocítica (VCM > 100 fL): associada a deficiências de vitamina B12 ou ácido fólico, consumo crônico de álcool, doenças hepáticas e alterações metabólicas ou endócrinas.

Diagnóstico diferencial da anemia

Anemia microcítica

  • Deficiência de ferro: origina-se de perda sanguínea crônica (menstruação intensa, sangramentos gastrointestinais) ou aporte/absorção insuficientes. Na investigação, avalie ferritina, saturação de transferrina e TIBC. A infecção por H. pylori pode reduzir a absorção de ferro e deve ser considerada em casos refratários.
  • Talassemias: causas hereditárias com microcitose acentuada e discreta redução da ferritina; a eletroforese de hemoglobina ou testes moleculares confirmam o diagnóstico.
  • Anemia sideroblástica e intoxicação por chumbo: indicadores de disfunção na síntese de heme; investigar história ocupacional, uso de medicamentos e exames de ferro sérico com saturação.
  • Sangramento gastrointestinal: fontes como úlceras ou diverticulite devem ser consideradas; em adultos mais velhos, solicitar avaliação endoscópica quando indicado — condições como diverticulite podem ser causa de perda oculta.

Anemia normocítica

  • Anemia de doença crônica: inflamação ou neoplasia alteram o metabolismo do ferro (ferritina normal/alta, baixa saturação). Considere fonte inflamatória persistente.
  • Insuficiência renal crônica: diminuição da produção de eritropoetina; investigar função renal (creatinina, TFG) e ajustar manejo com suporte nefrológico — por exemplo, em doenças renais hereditárias, como a doença renal policística, a anemia é um achado comum em estágios avançados.
  • Anemia hemolítica: aumento da destruição eritrocitária com elevação de bilirrubina indireta, LDH e reticulócitos; testes de Coombs ajudam a identificar causas autoimunes.

Anemia macrocítica

  • Deficiência de vitamina B12: causa megaloblástica com sinais neurológicos (parestesias, alterações cognitivas). Investigar níveis séricos de B12 e causas secundárias, como má-absorção.
  • Deficiência de ácido fólico: observa-se em dietas pobres ou aumento de demanda (gestação, hemólise). A diferença clínica em relação à B12 é a menor frequência de sinais neurológicos.
  • Abuso de álcool e doença hepática: efeitos tóxicos na medula e alterações metabólicas que levam à macro-ovalocitose.
  • Alterações endócrinas: disfunções da tiroide podem alterar o padrão hematológico; em doenças como Graves e outras tireoidopatias, a anemia pode ocorrer de forma associada.

Investigação básica e algoritmo prático

Uma investigação inicial bem conduzida reduz a necessidade de exames invasivos. Recomenda-se:

  • História clínica detalhada: sangramentos, perdas menstruais, medicações, história ocupacional (chumbo), consumo alcoólico, doenças crônicas e antecedentes familiares (talassemia).
  • Exame físico: palidez, icterícia, esplenomegalia, alterações nas mucosas e neurológicas.
  • Hemograma completo: hemoglobina, hematócrito, VCM, HCM, RDW.
  • Reticulócitos: avaliam resposta medular e distinguem anemias hipoproliferativas de hemolíticas/perda aguda.
  • Estudos de ferro: ferritina (reserva), saturação de transferrina e TIBC.
  • Níveis de vitamina B12 e ácido fólico quando houver macrocitose ou suspeita clínica.
  • Função renal: creatinina e estimativa da TFG, importante para identificar indicação de eritropoietina ou tratamento nefrológico.
  • Testes de hemólise: LDH, bilirrubina indireta, haptoglobina e teste direto de Coombs quando indicado.

Em adultos com achados inconclusivos ou sinais de gravidade, considerar exames adicionais: eletroforese de hemoglobina (talassemias), pesquisa de hemácias em lâmina, dosagem de ferro medular, biópsia de medula óssea e testes genéticos específicos.

Como priorizar condutas em atenção primária

No consultório, priorize medidas que impactam diagnóstico e segurança do paciente: confirmar a anemia com hemograma repetido, avaliar sinais de sangue oculto nas fezes quando houver suspeita de perda gastrointestinal, corrigir déficits nutricionais comprovados e encaminhar para especialista em casos de suspeita de hemoglobinopatia, perda crônica sem causa evidente ou anemia refratária.

Para aprofundamento e protocolos de investigação, consulte revisões e guias clínicos atualizados, como a análise sobre diagnóstico diferencial da deficiência de ferro (SciELO) e a síntese prática do BMJ Best Practice, que auxiliam na interpretação de exames e decisões terapêuticas.

Diagnóstico diferencial da deficiência de ferro (SciELO)Avaliação da anemia (BMJ Best Practice)Revisão clínica sobre anemias (Sanar)

A avaliação da anemia deve ser individualizada: a combinação de dados clínicos, hemograma e testes direcionados (ferritina, reticulócitos, teste de Coombs, B12/folato, função renal) guiará a conduta. Exames complementares e encaminhamentos para hematologia ou gastroenterologia são necessários quando a causa não for óbvia ou o quadro for grave. Uma investigação sistemática permite tratamento específico — reposição de ferro ou vitaminas, manejo da doença renal, terapia imunossupressora para anemia autoimune ou intervenção cirúrgica em casos de sangramento — melhorando desfechos e qualidade de vida dos pacientes.

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