Constipação crônica: conduta prática no consultório
Introdução
Como identificar e manejar rapidamente um paciente com constipação crônica no consultório? A constipação crônica altera qualidade de vida e exige abordagem sistemática: história dirigida, avaliação de sinais de alarme, medidas não farmacológicas e uso racional de laxantes. Este texto oferece um roteiro prático, baseado em evidências, para profissionais de saúde.
Avaliação inicial (foco no diagnóstico clínico)
Anamnese e exame físico
A avaliação é essencialmente clínica. Realize história completa sobre frequência evacuatória, esforço, consistência das fezes, sensação de esvaziamento incompleto, uso de medicamentos e início dos sintomas. Investigue disfunção do assoalho pélvico (estrangulamento, esforço paradoxal) e sintomas associados — dor abdominal, perda de peso, sangramento retal.
Use um exame abdominal direcionado e exame retal digital quando indicado (avaliar tônus anal, massa retal, fezes impactadas). Para direcionamento da anamnese e do exame físico, consulte guias práticos como o do meu blog sobre anamnese e exame físico.
Sinais de alarme que justificam investigação imediata
- Sangramento retal ou melena
- Perda de peso não intencional
- Início súbito dos sintomas após 50 anos
- Anemia ferropriva ou alterações laboratoriais relevantes
- Massas abdominais palpáveis, história familiar de câncer colorretal
Nesses casos, considerar colonoscopia ou outros exames de imagem conforme critérios de rastreamento e investigação — ver recomendações sobre quando indicar colonoscopia em rastreio e indicação.
Etiologia e causas comuns
A constipação crônica é multifatorial. Principais causas:
- Fatores dietéticos e estilo de vida (baixo consumo de fibras, hidratação insuficiente, sedentarismo)
- Medicamentos (opiáceos, anticolinérgicos, alguns antidepressivos, suplementos de ferro) — reveja lista de fármacos e polifarmácia em idosos via avaliação e desprescrição
- Distúrbios do trânsito colônico (constipação lenta) e disfunção do assoalho pélvico (dispraxia de evacuação)
- Doenças sistêmicas: hipotireoidismo, diabetes, hipercalcemia, neurológicas
Exames complementares: quando e quais pedir
Em pacientes sem sinais de alarme, exames laboratoriais simples (hemograma, TSH, eletrólitos, cálcio) podem ser considerados conforme suspeita clínica. Investigações adicionais incluem:
- Pesquisa de sangue oculto nas fezes e colonoscopia quando indicados
- Estudos funcionais: tempo de trânsito colônico com marcador, anorretalmanometria, defecografia dinâmica quando há suspeita de dissinergia do assoalho pélvico
- Exames de imagem (TC/colonoscopia) se sinal de alarme ou falha terapêutica
Diretrizes e revisões sistemáticas fornecem embasamento para a necessidade de exames em contextos específicos; consulte a revisão de especialistas recentemente publicada para detalhes de indicação e interpretação.
Tratamento passo a passo
1) Medidas gerais e não farmacológicas
Primeira linha em todos os pacientes sem indicação imediata de investigação invasiva:
- Aumentar ingestão de fibras dietéticas progressivamente até 20–30 g/dia (avaliar tolerância a fermentação e distensão)
- Hidratação adequada (avaliar comorbidades que restringem fluidos)
- Incentivar atividade física regular e estabelecer rotina intestinal (treinamento da hora do defeacamento após refeições)
- Considerar probióticos em algumas situações, mas expectativas precisam ser realistas
2) Laxantes: tipos, indicações e precauções
Escolha baseada em mecanismo, segurança e resposta individual. Preferir iniciar por agentes com melhor perfil benefício/risco:
- Formadores de volume (psyllium): úteis se baixa ingestão de fibras e sem impactação. Evitar em obstrução intestinal parcial.
- Laxantes osmóticos (polietilenoglicol – PEG): evidência consistente de eficácia e segurança para uso a curto e médio prazo; frequentemente primeira escolha se medidas não farmacológicas falham.
- Emolientes (docusato): pouca evidência robusta isolada, uso limitado em indicação específica.
- Laxantes estimulantes (bisacodil, senna): eficazes para alívio em curto prazo; usar com monitorização, avaliar causas subjacentes se necessário e evitar dependência psicológica — evidências atuais não confirmam dano colônico estrutural por uso crônico moderado, mas preferir alternativas quando possível.
- Agentes secretagogos e pró-cinéticos (linaclotida, lubiprostone, plecanatida): opções para constipação idiopática crônica refratária; disponibilidade e custo podem limitar uso. Indicar conforme guideline e familiaridade local.
Documente alterações, efeitos adversos e necessidade de ajuste. Em idosos, revise polifarmácia e prefira opções seguras; consulte material sobre polifarmácia e desprescrição.
3) Terapias específicas para disfunção do assoalho pélvico e casos refratários
Se a história e o exame sugerirem dissinergia (sensação de bloqueio, esforço paradoxal), biofeedback tem eficácia comprovada e deve ser considerado como terapia de escolha para disfunção do assoalho pélvico. Para pacientes refratários a medidas conservadoras e farmacológicas, discutir com especialista opções avançadas como neuromodulação sacral (considerar quando outros tratamentos falharam e após avaliação especializada).
Referir para gastroenterologia ou coloproctologia quando houver suspeita de transtorno funcional complexo, necessidade de testes manométricos/defecografia ou consideração de terapias invasivas.
Monitoramento e prática clínica baseada em evidências
Avalie resposta ao tratamento em semanas a meses: frequência de evacuações, consistência (escala de Bristol), esforço, uso de resgates. Ajuste estratégia terapêutica de forma individualizada. Para apoiar escolhas terapêuticas e entender a evidência disponível, recomenda-se consultar revisões e guias, por exemplo a análise baseada em evidências e a revisão de especialistas nacionais, bem como diretrizes internacionais.
Encaminhamento e educação do paciente
Explique ao paciente a multifatorialidade do problema, a expectativa realista de melhora (pode exigir titulação e combinação de medidas) e riscos/benefícios dos laxantes. Encaminhe quando houver sinais de alarme, falha terapêutica mesmo após abordagens escalonadas, ou para avaliação especializada de disfunção do assoalho pélvico.
Fechamento prático
Um fluxograma prático: 1) avaliar sinais de alarme e fazer exame físico dirigido; 2) iniciar medidas de estilo de vida + revisão de medicamentos; 3) se necessário, iniciar PEG ou formador de volume; 4) reavaliar e, se refratário, investigar função anorretal e considerar biofeedback ou neuromodulação sacral; 5) encaminhar para gastroenterologia/coloproctologia conforme necessidade. Integre monitoramento simples (diário intestinal, escala de Bristol) e revisão periódica de polifarmácia para otimizar resultados.
Referências úteis (selecionadas): orientação prática baseada em evidências encontrada na Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade e em revisões nacionais, além das diretrizes da World Gastroenterology Organisation — consulte, por exemplo, a análise baseada em evidências (SBMFC), a revisão de especialistas brasileiros (Arquivos de Gastroenterologia, 2022) e as diretrizes internacionais (World Gastroenterology Organisation).
Leve sempre em conta contexto local, disponibilidade terapêutica e preferências do paciente. Para aspectos relacionados à dor abdominal inespecífica que podem coexistir, veja também o material do blog sobre abordagem prática da dor abdominal inespecífica. Em pacientes com sintomas sobrepostos de síndrome do intestino irritável, consulte a postagem SII: diagnóstico e manejo para orientar abordagem integrada.