Distúrbios do sono na prática clínica: triagem e manejo
Introdução
Quanto tempo você perde por noite antes de descobrir que o problema não é só cansaço, mas um verdadeiro distúrbio do sono? Distúrbios como insônia e apneia do sono são altamente prevalentes e impactam funções cognitivas, qualidade de vida e risco cardiovascular. Este texto traz um roteiro prático para triagem, diagnóstico inicial e manejo ambulatorial objetivo para uso em consultório.
1. Triagem inicial e anamnese prática
A avaliação começa sempre pela anamnese dirigida: padrões de sono, horários, higiene do sono, uso de substâncias (álcool, sedativos, estimulantes), sintomas noturnos (ronco, pausas respiratórias, despertares com sensação de sufocamento) e consequências diurnas (sonolência, déficit de atenção, irritabilidade).
- Ferramentas úteis: questionários validados como o Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh e escalas de sonolência; realize registro de sono (diário/ou actigrafia quando disponível).
- Sinais de alerta: suspeita de apneia (ronco, pausas respiratórias, sonolência diurna marcada), insônia crônica (>3 meses) com prejuízo funcional, sinais de transtorno do ritmo circadiano ou uso inadequado de medicamentos.
- Fluxo prático: para orientação detalhada da triagem em APS consulte nosso guia prático em: distúrbios do sono: rastreio, diagnóstico e manejo inicial.
2. Diagnóstico básico: insônia x apneia
É essencial distinguir insônia — dificuldade em iniciar/manter o sono ou sono não reparador com impacto diurno — de distúrbios respiratórios do sono, especialmente a apneia obstrutiva do sono. Use critérios da Classificação Internacional de Distúrbios do Sono (ICSD‑3) para formalizar diagnósticos clínicos e orientar exames complementares (referência: AASM).
Insônia: passos diagnósticos
- Avaliar sintomas noturnos e consequências diurnas, frequência (≥3x/semana) e duração (≥3 meses para insônia crônica).
- Excluir causas secundárias (dor, psiquiátricas, uso de substâncias, apneia do sono).
- Documentar tentativa prévia de intervenções comportamentais e medicamentosas.
Apneia do sono: quando suspeitar e confirmar
- Sinais sugestivos: ronco alto, pausas respiratórias observadas, despertares bruscos, cefaleia matinal e sonolência diurna.
- Confirmação: polissonografia é o padrão-ouro; em contextos selecionados a polissonografia domiciliar portátil pode ser adequada para pacientes com alta probabilidade clínica (veja nosso resumo sobre polissonografia domiciliar: polissonografia domiciliar portátil: guia).
- Diretrizes nacionais e internacionais (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia; AASM) orientam critérios de indicação, estratificação de gravidade e encaminhamentos.
3. Manejo da insônia: primeiro nível
O tratamento de primeira linha para insônia crônica é a Terapia Cognitivo‑Comportamental para Insônia (TCC‑I). A TCC‑I inclui higiene do sono, controle de estímulos, restrição de sono, terapia cognitiva e técnicas de relaxamento. Diretrizes internacionais e nacionais recomendam priorizar intervenções não farmacológicas sempre que possível.
- Intervenções comportamentais: orientar rotina regular, reduzir estimulantes, limitar sestas, implementar restrição de sono com acompanhamento;
- TCC‑I digital e treino remoto: alternativas com evidência útil em ambulatório — veja materiais sobre terapias digitais e TCC‑I quando o acesso a terapia presencial é limitado;
- Farmacoterapia: considerar por curtos períodos agentes hipnóticos ou sedativos com avaliação de risco-benefício, evitar benzodiazepinas de longo prazo e planejar estratégia de desprescrição quando relevante.
4. Manejo da apneia: práticas essenciais
Para a apneia obstrutiva do sono moderada a grave, o tratamento de escolha é a ventilação com pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), que reduz eventos respiratórios, melhora sonolência e pode reduzir risco cardiovascular associado.
- CPAP: ajuste, adesão e suporte são determinantes do sucesso; atividades de educação do paciente e acompanhamento devem ser sistematizadas no ambulatório.
- Alternativas: aparelhos intraorais para pacientes com apneia leve a moderada ou intolerância ao CPAP; avaliação cirúrgica em casos selecionados (anatomia desfavorável, falha do tratamento conservador).
- Encaminhamento e seguimento: monitorizar adesão ao CPAP, rever efeitos residuais e comorbidades (hipertensão, cardiopatias), e considerar reavaliação por polissonografia se persistirem sintomas.
5. Impacto sistêmico e encaminhamentos
Distúrbios do sono têm impacto direto na saúde cardiovascular, metabólica e na saúde mental. Pacientes com apneia têm maior risco de hipertensão resistente, arritmias e eventos cardiovasculares; por isso, identifique fatores de risco e integre manejo com atenção primária e cardiologia quando necessário. Para estratégias práticas de integração no consultório, confira nosso material sobre gestão do sono na prática ambulatorial.
Referências e diretrizes para consulta rápida
As recomendações aqui sintetizadas alinham-se com documentos de referência: diretrizes nacionais para apneia pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, diretrizes sobre insônia pela Associação Brasileira de Psiquiatria e critérios diagnósticos do ICSD‑3 da American Academy of Sleep Medicine. Para apoio à decisão clínica, consulte fontes especializadas como a página da SBPT e recursos da AASM. Revisões sobre abordagem farmacoterapêutica e não farmacológica podem ser consultadas em guias clínicos internacionais (ex.: recomendação do ACP sobre insônia: ACP guideline).
Fechamento e orientações práticas
Na prática clínica, adote um fluxo: triagem estruturada → diferenciação clínica entre insônia e apneia → exames dirigidos (polissonografia quando indicado) → priorização de TCC‑I e estratégias comportamentais, e uso de CPAP quando indicado para apneia. Documente impacto funcional e comorbidades, monitore adesão e efeitos terapêuticos e use recursos digitais e materiais locais para ampliar acesso a TCC‑I e suporte ao CPAP. Para orientação passo a passo em atenção primária, veja também nosso roteiro de abordagem prática dos distúrbios do sono na APS e o resumo prático para rastreio em consultório: triagem e manejo prático.