Provas de função hepática: padrões, causas e encaminhamento

Introdução

As provas de função hepática (PFF) — incluindo TGO (AST), TGP (ALT), GGT, FA (ALP) e bilirrubinas — são ferramentas centrais na prática clínica. Interpretadas em conjunto com a história clínica, exame físico e exames de imagem, orientam hipótese diagnóstica, necessidade de biópsia e decisões terapêuticas. Este texto, direcionado principalmente a profissionais de saúde, descreve padrões laboratoriais, causas frequentes e critérios práticos para encaminhamento, com notas breves para educação do paciente. Palavras-chave relevantes ao longo do texto: NAFLD, NASH, hepatite viral, DILI, fibrose e elastografia.

Provas de função hepática: o que cada teste mede

Provas de função hepática — ALT/TGP e AST/TGO

TGO (AST) e TGP (ALT) são marcadores de lesão hepatocelular. A ALT/TGP é geralmente mais específica do fígado; a AST/TGO pode ser influenciada por lesão muscular ou cardíaca. Relações AST/ALT e níveis absolutos ajudam a direcionar etiologias (ex.: alcoolismo, hepatite viral, DILI).

Provas de função hepática — GGT, FA/ALP e bilirrubinas

GGT e FA (ALP) refletem predominantemente alterações das vias biliares; a ALP tem fontes hepática e óssea, portanto a elevação isolada exige contexto clínico e, às vezes, dosagem de GGT para confirmação de origem hepática. Bilirrubinas total e direta distinguem hiperbilirrubinemias conjugadas (colestase) de não conjugadas (hemólise, defeito de conjugação).

Observações metodológicas

Os limites de referência variam por laboratório; interpretar sempre com base no intervalo local, sexo, idade, medicamentos e comorbidades. Em alterações isoladas ou discretas, repetir em 2–6 semanas antes de investigação extensa, salvo sinais clínicos de gravidade (icterícia, coagulopatia, encefalopatia).

Padrões de alteração e causas comuns

Padrão hepatocelular

Predomínio de ALT/AST (ALT frequentemente > AST) sugere lesão hepatocelular: hepatite viral (B, C), NAFLD/NASH, hepatite autoimune, DILI (drug-induced liver injury) ou intoxicação por paracetamol. ALT > 2x ULN costuma justificar investigação etiológica mais ativa e estratificação de gravidade.

Padrão colestático

Predomínio de ALP e GGT, com bilirrubina direta elevada, aponta para colestase intra- ou extra-hepática: litíase, compressão extrínseca, colangite ou doenças colestáticas crônicas (colangite biliar primária, colangiopatias). Na suspeita de obstrução, ultrassom abdominal é a primeira imagem.

Padrão misto

Elevações combinadas de transaminases e fosfatase alcalina ocorrem em hepatites virais, DILI com componente colestático, doença autoimune com colestase ou NAFLD avançada com inflamação. A estratégia diagnóstica depende do quadro clínico e da progressão.

Interpretação prática de resultados

Relação AST/ALT

Relação AST/ALT > 2 sugere fortemente etiologia alcoólica ou cirrose avançada; ratio próximo de 1 é mais comum em hepatites virais ou NAFLD/NASH. Elevações marcadas (>10x) orientam para hepatites agudas graves, necrose hepática ou intoxicação.

GGT como marcador de origem hepática

GGT elevada junto com ALP confirma origem hepática da ALP. Indução enzimática por medicamentos (fenitoína, rifampicina) e consumo crônico de álcool podem elevar GGT sem dano estrutural significativo.

Investigação etiológica e sequenciamento de exames

Passos iniciais

  • Confirmar alteração com nova dosagem em 2–6 semanas, salvo gravidade clínica.
  • Recolher história completa: álcool, medicamentos (incluindo fitoterápicos), exposições, doenças metabólicas e sinais de hepatopatia crônica.
  • Classificar o padrão (hepatocelular/colestático/misto) e direcionar exames.

Rastreamento etiológico conforme padrão

Para padrão hepatocelular, solicitar sorologias e marcadores (HBsAg, anti-HCV, painel para hepatite autoimune — ANA, ASMA, IgG — e investigação de DILI). Em colestase, priorizar imagem (ultrassom) para excluir obstrução e testes autoimunes colestáticos quando indicado.

Avaliação de causas metabólicas e genéticas

Considere investigação para NAFLD/NASH em pacientes com obesidade, diabetes e dislipidemia; para hemocromatose (ferritina, saturação de transferrina), doença de Wilson (ceruloplasmina em pacientes jovens) e deficiência de alfa-1 antitripsina conforme contexto.

Imagens e avaliação de fibrose

Ultrassom e elastografia

Ultrassom abdominal é o exame inicial para detectar esteatose, dilatação de vias biliares ou lesão focal. Para estratificação de fibrose em NAFLD/NASH e outras hepatopatias crônicas, utilize elastografia (FibroScan) quando disponível; scores não invasivos como FIB-4 e APRI auxiliam na triagem. Para mais detalhes sobre avaliação de NAFLD/NASH com FibroScan, consulte o material sobre NAFLD/NASH e FibroScan.

Ressonância magnética

RM hepática (com ou sem colangiografia) é útil em casos ambíguos, para caracterizar lesões focais, infiltração gordurosa or quantificação de gordura/fibrose quando disponível.

Encaminhamento e critérios práticos

Quando encaminhar ao especialista

  • Alteração persistente das PFF por >6 meses sem causa definida.
  • Sinais de insuficiência hepática aguda (coagulopatia, encefalopatia) ou elevações muito marcantes de transaminases.
  • Suspeita de hepatite autoimune, doença de Wilson, hemocromatose ou DILI com dano relevante.
  • Colestase com evidência de obstrução ou lesão focal suspeita na imagem.

Para orientação sobre manejo de hepatites virais na atenção primária, use como referência prática o conteúdo sobre Hepatites B e C: PCR e manejo.

Armadilhas comuns e cuidados na interpretação

  • Medicações e suplementos podem induzir elevações enzimáticas transitórias ou causar DILI; revisar a lista completa de fármacos.
  • Doenças musculares podem elevar AST/TGO sem dano hepático real; correlacione com CK se houver suspeita.
  • Variações laboratoriais e fatores pré-analíticos (jejum, exercício, amostras hemolisadas) podem alterar resultados; repetir quando necessário.
  • Integração clínica-hematológica-imagem é essencial para evitar diagnósticos errôneos.

Educação breve para pacientes

Explique ao paciente que as PFF indicam como o fígado está funcionando e que elevações isoladas podem ser transitórias. Em casos de suspeita de NAFLD/NASH, enfatize medidas de estilo de vida (redução de peso, controle glicêmico, atividade física) e, quando apropriado, a avaliação de fibrose por elastografia (NAFLD/NASH e FibroScan). Se houver suspeita de hepatite viral, oriente sobre testes confirmatórios e encaminhamento conforme os protocolos descritos em Hepatites B e C: PCR e manejo.

Resumo prático e encaminhamento

Mantenha uma sequência lógica: confirmar a anormalidade, classificar o padrão (hepatocelular, colestático ou misto), investigar etiologias frequentes (NAFLD/NASH, hepatite viral, DILI, doenças metabólicas e autoimunes) e avaliar fibrose quando indicado (FIB-4, elastografia). Encaminhe para gastro/hepatologia se houver persistência sem diagnóstico, sinais de gravidade ou suspeita de doenças que requeiram manejo especializado. Para diagnóstico e manejo de hepatite autoimune, consulte também o conteúdo sobre hepatite autoimune: sinais e manejo. Em pacientes com doença hepática crônica avançada, fique atento a sinais de encefalopatia; informações complementares estão disponíveis sobre encefalopatia hepática mínima.

Ao aplicar essa abordagem estruturada, é possível priorizar causas tratáveis, reduzir atrasos diagnósticos e indicar encaminhamentos que melhorem desfechos clínicos.

* Alguns de nossos conteúdos podem ter sido escritos ou revisados por IA. Fotos por Pexels ou Unsplash.